Folha de S. Paulo


Maria das Neves Pires da Silva (1925-2016)

Mortes: A guardiã da memória de Tabira, no sertão

Marcos Oliveira
Maria das Neves Pires da Silva (1925-2016)
Maria das Neves Pires da Silva (1925-2016)

Em Tabira, sertão de Pernambuco, a sorte de pobres e ricos passou pelas mãos de Nevinha. Mas era a própria memória da cidade, antes perdida no tempo e no espaço e hoje dona de seu passado, quem mais lhe devia. Foi ela quem, em cartas, discursos e livros, escreveu sua história.

A terra era distrito quando o pai, comerciante hábil, chegou à prefeitura de Afogados da Ingazeira e a emancipou.

E se o velho Pires se tornou líder político, foi porque Nevinha escrevia os discursos e os lia no coreto da praça. "Era sua conselheira", diz o filho, Pedro. Indicada a prefeita, do marido ouviu não. Mulher que comanda cidade mandaria em casa, dizia. "Ela queria, tinha cancha." Mas aquiesceu.

Após o colégio interno estudou contabilidade, pedagogia e letras. Ensinou por 40 anos. Quando batiam à porta pedindo à moça letrada que interviesse, escrevia de cartas aos parentes no sul a pedidos a autoridades, com a caligrafia das freiras. No velório, um amputado chorou: sua carta ao presidente lhe garantiu a aposentadoria.

Viúva, aposentada e após ter feito do filho médico, decidiu verter o dom em livros. De arquivos e genealogias fez "Tabira e Sua Gente"; dos causos folclóricos do sertão, "Tabira: História e Estória". E cavou um estudo geopolítico da região que políticos como Marco Maciel tiravam do bolso na hora de discursar. Não parou nem com a escoliose, a mesma de Frei Damião.

Morreu de falência dos órgãos, dia 19, aos 91. Pouco antes, o filho Pedro a levara à geriatra. A médica pediu que escrevesse uma frase qualquer. De suas mãos brotou: "Eu amo Tabira."

Marcos Oliveira
Obras escri
Obras escritas por Nevinha

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