Folha de S. Paulo


'Não lido com o cofre', diz ministra do STF sobre judicialização da saúde

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 03-11-2016, 14h00: Sessão plenária do STF. A ministra Cármen Lúcia preside a sessão que deve julgar ação que impede réus de ocuparem cargos da linha sucessória da presidência da República. O ministro Marco Aurélio Mello é o relator da ação. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
A ministra Cármen Lúcia preside sessão no Supremo Tribunal Federal (STF)

O Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciaram, nesta segunda-feira (7), o lançamento de uma plataforma em parceria com o hospital privado Sírio-Libanês para auxiliar magistrados em processos envolvendo a saúde.

A iniciativa ocorre em meio à votação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a cessão obrigatória pelo governo de remédios de alto custo sem registro no Brasil –a sessão foi suspensa em setembro após pedido de vista do ministro Teori Zavascki.

Presente ao lançamento do projeto no Sírio-Libanês, em São Paulo, a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, não adiantou o seu voto na decisão do Supremo, mas manifestou simpatia pelo acesso aos medicamentos.

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Ela fez comentários sobre a garantia do acesso universal à saúde e a dificuldade de compatibilizar isso com os recursos disponíveis. "Estamos aqui para tornar efetivo aquilo que a Constituição nos garante. A dor tem pressa. Eu lido com o humano, eu não lido com o cofre", disse.

Judicialização da saúde

"O que o juiz fala quando a gente discute (o tema) é que há uma judicialização da saúde. Não. Há a democratização da sociedade brasileira, do cidadão que até a década de 1980 morria sem saber que tinha direito à saúde e que podia reivindicar esse direito. Como juíza, o meu papel é garantir esse direito", afirmou.

SEM RECURSOS

Já para o ministro da Saúde, Ricardo Barros, o aumento na judicialização da saúde desestrutura o planejamento de gastos da pasta. "A ação judicial não cria recurso, ela desloca recurso previsto para outra ação programada", disse Barros.

Em 2015, de acordo com o ministro, foi destinado R$ 1,1 bilhão em 14.940 ações que demandaram tratamentos e medicamentos. A projeção para 2016 é que R$ 1,6 bilhão seja alocado com a judicialização. Até setembro, já havia sido gasto R$ 1,05 bilhão, com 16.301 ações até julho.

Nesse contexto, a parceria com o hospital privado paulista, segundo Barros, é "importante para suprir a deficiência orçamentária".

A medida conjunta resultará em um banco público de dados já analisados que servirá de base para decisões da Justiça. Além do acesso público, magistrados poderão solicitar notas técnicas para aperfeiçoar suas decisões.

A previsão é que o resultado das primeiras oficinas entre juízes que ocorrem nesta segunda e terça-feira (8) já estejam disponíveis para consulta em 60 dias. O programa deve ter duração de três anos, com outras oficinas para ampliar a base.

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MÁ-FÉ

O ministro da Saúde afirmou ainda que em um dos dez medicamentos mais demandados, 80% das ações partiram de um mesmo escritório de advocacia, o que mostra que há uma "articulação" para obter a judicialização. Barros disse que todas as decisões estão sendo averiguadas para garantir que os atendimentos sejam de interesse público. Ele evitou nomear diretamente indícios de ilegalidade, mas citou casos de uso indevido.

"Já houveram casos em que o laboratório foi buscar de volta o medicamento na casa do cidadão porque não estavam sendo usados", disse. "Há convênios de laboratórios fabricantes com laboratórios de análises clínicas, e este laboratório fabricante paga o de análise para fazer um exame que comprove a necessidade daquela pessoa ter o medicamento que ela fabrica, que vira uma decisão judicial", afirmou o ministro.

Nesta segunda, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo iniciou também uma parceria com o Ministério Público do Estado para identificar fraudes em ações judiciais contra a pasta.

Promotores poderão consultar as ações para aferir se há ocorrência de desvios. "Sigilosamente, nos casos em que nós entendermos que há corrupção o Ministério Público vai nos auxiliar", afirmou o secretário, David Uip. Como exemplo, Uip cita o medicamento para hipercolesterolemia homozigótica, doença rara.

"Passamos a perceber que ele estava sendo receitado em algumas cidades do Estado a um custo de mil dólares o comprimido. Em 30 dias são 30 mil dólares. Isso custou R$ 36 milhões ao Estado e na absoluta maioria não havia sequer a indicação da doença", disse. "Os médicos ganhavam para prescrever", afirmou.

No Estado, a judicialização custa R$ 1,2 bilhão por ano. Desde 2011 são 90 mil ações –53 mil estão ativas. Para Uip, a proximidade entre a Saúde e o Judiciário é "fundamental para se dar razão ao que é pertinente". "Eu não posso judicializar, por exemplo, um transplante do coração, porque existe uma fila, existe um doador, existe um receptor e você quebraria todos os paradigmas".

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