Folha de S. Paulo


Casal está na fila de espera da moradia em São Paulo há três décadas

Avener Prado/Folhapress
Maria Ilda, 62, na fila da habitação há 30 anos; hoje, mora de favor num apartamento na Cidade Tiradentes
Maria Ilda, 62, na fila da habitação há 30 anos; hoje, mora de favor na Cidade Tiradentes

Na manhã em que José Ademir Braz, 67, e sua mulher, Maria Ilda de Fátima, 62, entraram oficialmente na fila da moradia de São Paulo, a edição da Folha noticiava os seguintes fatos:

O presidente José Sarney prometia um novo pacote econômico; Mikhail Gorbatchov, líder da União Soviética, viajaria à Índia; num jogo "péssimo", o poderoso ataque do São Paulo –Silas, Pita, Müller e Careca– não conseguiu furar a defesa do goleiro Rodolfo Rodrigues, do Santos.

Trinta anos depois, o Brasil já teve mais seis presidentes, a União Soviética não existe mais e o São Paulo está com um time fraco. Ademir e Maria, no entanto, continuam na fila da moradia social.

Em 24 de novembro de 1986, Ademir tirou folga do trabalho –era metalúrgico– para se inscrever na Cohab (empresa municipal de habitação) em um posto na praça do Patriarca. "Paguei uma taxa, me deram o formulário e disseram para esperar", conta ele, hoje aposentado.

Um dia a casa sai, pensou, e guardou a inscrição na carteira. Maria sonhava com o dia em que entraria na casa própria para criar seus três filhos. "A gente morava de aluguel no Itaim Paulista. Meu filho mais velho tinha oito anos. O dinheiro era pouco", conta.

"O prefeito da época era aquele da vassourinha. Como é o nome dele? Isso, Jânio Quadros", lembra a diarista. Desde 1986, São Paulo teve sete prefeitos, mas a casa da família Braz... nada. Só a atual gestão, do petista Fernando Haddad, construiu 12,5 mil moradias, mas a casa da família Braz... nada.

Paulistanos têm que enfrentar processos longos até conseguirem moradia; para reduzir demanda, Doria dependerá de programas que estão emperrados

FILA

Ela não é a única a ficar tanto tempo na fila. Em uma busca no site da secretaria municipal da Habitação, a reportagem encontrou dezenas de paulistanos que aguardam habitação há mais de 25 anos.

O mais antigo, Antônio Alves de Oliveira, fez a inscrição em 1980 –a Folha não conseguiu localizá-lo. O site lista 112 mil nomes com cadastros atualizados no último ano.

Do Itaim, os Braz se mudaram para Cidade Tiradentes, na zona leste. Ironicamente, eles vivem em um apartamento da própria Cohab, mas de favor. "Moramos na casa de uma parente. Mas é uma situação insegura, porque a hora que ela pedir a casa, estamos na rua", diz Maria.

Mesmo com baixa renda, eles não são mais prioridade nos projetos de moradia que subsidiam as casas. Outros planos surgiram, como o Minha Casa, Minha Vida, e os critérios de quem vai para a frente da fila se modificaram.

Hoje são priorizados mulheres que são chefes de família, moradores de áreas de risco ou pessoas que pagam aluguel alto em relação à renda.

A Prefeitura de SP afirmou que a família Braz foi selecionada para uma moradia em 2008. O caso, diz, foi enviado à Caixa para que o financiamento fosse feito. A família, porém, nunca foi avisada da seleção. A Folha não conseguiu localizar a assessoria da Caixa na sexta-feira (28).

Leandro Machado/Folhapress
Cartão de inscrição de José Ademir Braz, datado de novembro de 1986
Cartão de inscrição de José Ademir Braz, datado de novembro de 1986

'DEMORA MESMO'

Na sala de casa, Ademir mostra um papel amarelado: a inscrição da Cohab que está na carteira há 30 anos. "Se tivesse saído rápido, a gente já teria quitado o apartamento. Pelo jeito, minha casa própria vai ser só o meu caixão", brinca ele, enquanto sua neta de 13 anos chega da escola.

Em três décadas, o casal procurou a Cohab ao menos cinco vezes. Na última visita, em março deste ano, Ademir perguntou novamente o motivo da interminável espera. Ele conta como um servidor lhe respondeu:

"Senhor Ademir, é demorado mesmo. É o processo. A partir de agora, o senhor precisa vir aqui todos os anos para atualizar o seu cadastro. Uma hora vai sair".

Doria Habitação


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