Até então, ninguém havia travado relação com os temidos Gavião Parkatejê. Sábios, eles nada queriam com os kupen, os não-índios, que já cercavam sua terra para "amansá-los". Mas quando os seus começaram a morrer feito moscas –sem saber que um machado ou roupa achados na mata traziam a epidemia–, Krohokrenhum pediu ajuda.
Em 1957, atravessou o rio com as crianças nas costas até Itupiranga (PA). Estabelecia o primeiro contato, e salvava seu grupo do fim.
"Sou do tempo do índio bravo", dizia, rindo, quando lhe perguntavam a idade.
Guerreiro bom, ganhou fama de "mau": quando espocaram as guerras internas, na esteira da varíola que marcaria seu rosto, matou até cacique para defender a aldeia. Mas foi quem arrancou do Serviço de Proteção ao Índio a reserva Mãe Maria, para onde afluíram, em 1961, os 17 sobreviventes do seu grupo e outros da mesma etnia.
Hoje, se a área se destaca na devastação paraense, é porque o capitão "era duro nas negociações", diz o cineasta Vincent Carelli, de "Krohokrenhum: Eu não posso morrer de graça".
Quando empresas vieram atrás do aceite para obras como a Transamazônica, tiveram de ajudar os índios. Bom de canto e de papo, quis então salvar sua história. Retomou cerimoniais como o de furar os beiços, registrando-os. Fretava ônibus para os jovens aprenderem a língua timbira em outras aldeias. E juntou as ricas memórias no livro "Isto Pertence ao meu Povo".
Depois isolou-se com a família, longe do álcool e das igrejas. Quando jovens vieram procurá-lo para aprender o canto do cacique, lecionou, embevecido.
Dizia ter 90 anos quando morreu de tuberculose, no último dia 19. De legado, deixou a memória da nova geração Gavião.
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