Folha de S. Paulo


Vale 'repudia' e Samarco 'refuta' denúncia por tragédia de Mariana

Acusadas pelo Ministério Público Federal de crime ambiental na tragédia de Mariana (MG), a Vale, a Samarco e a BHP Billiton rejeitaram em nota, na tarde desta quinta (20), os argumentos da denúncia.

A Vale disse que "repudia a denúncia" da Procuradoria. Segundo a empresa, os procuradores optaram por "desprezar as inúmeras provas apresentadas" durante a investigação.

A mineradora ainda diz que as provas e os depoimentos "evidenciaram a inexistência de qualquer conhecimento prévio de riscos reais à barragem de Fundão pela Vale por seus executivos e empregados, tenta, injustamente e a todo custo, atribuir-lhes alguma forma de responsabilidade incabível".

A Samarco, empresa responsável pela barragem que se rompeu e matou 19 pessoas em novembro passado, é controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. Na denúncia, membros do conselho de administração e da governança da Samarco que são, respectivamente, indicados ou representantes da Vale, foram acusados de homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar).

A Vale diz que "jamais praticou atos de gestão operacional na Samarco e tampouco na barragem de Fundão". A empresa diz que seus executivos "jamais foram informados pelo corpo técnico e diretivo da Samarco sobre quaisquer irregularidades que representassem riscos reais e/ou não tratados à barragem, nem por qualquer das consultorias responsáveis pelo monitoramento técnico daquela estrutura".

"Muito pelo contrário, frise-se, sempre lhes foi assegurado que a barragem de Fundão era regularmente avaliada, não só pelas autoridades legalmente competentes, como também por um renomado grupo de consultores internacionais independentes", afirma.

A empresa ainda afirma que nunca houve "sequer qualquer mera recomendação por parte de seus membros de redução de investimentos" e diz que "adotará firmemente as medidas cabíveis perante o Poder Judiciário".

Já a Samarco disse que "refuta a denúncia" e replicou os argumentos da Vale. De acordo com a companhia, "toda e qualquer medida sugerida e implantada no que diz respeito à gestão da estrutura seguia as melhores práticas de engenharia e segurança. A estabilidade da barragem de Fundão foi atestada pela consultoria VogBR".

"Segurança sempre foi uma prioridade na estratégia de gestão da Samarco e a empresa reitera que nunca houve redução de investimentos nesse tema por parte da empresa."

O advogado Maurício Campos, que representa três gerentes da Samarco, afirma que ainda não leu a denúncia, mas "seguramente, há excesso da acusação, seja pela indevida multiplicidade de delitos, seja pela consideração de que tenha havido dolo na conduta daqueles que jamais coloriam em risco a vida de terceiros e suas próprias vidas".

A BHP disse que "repudia veementemente as acusações contra a empresa e os indivíduos denunciados" e informa que irá apresentar defesa contra as denúncias, mas ainda aguarda notificação formal.

A defesa da VogBR, denunciada sob acusação de apresentar laudo ambiental falso, também disse que não leu a denúncia. O advogado Leonardo Marinho afirmou que precisa "compreender por que ainda estão questionando o laudo e consolidar a situação de inocente".

A empresa e um de seus engenheiros chegaram a ser indiciados por crime ambiental e homicídio com dolo eventual, mas a denúncia não incluiu essas suspeitas.

Samarco 11 Pontos

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Decisões mal tomadas pela Samarco

1. OBRA PROBLEMÁTICA

Fundão apresentou falhas desde o início da operação, em 2008. Em seu quarto mês, uma erosão interna forçou seu esvaziamento emergencial. Nos anos seguintes, houve infiltrações, drenos entupidos e obras mal-executadas.

Para a PF, a Samarco usou material mais barato na drenagem para economizar. Apesar disso, o reservatório não parava de crescer (13 metros/ano) para suportar a alta de produção da empresa. A Samarco diz que repudia "especulação sobre conhecimento prévio" de risco de ruptura e que sempre teve altos padrões de segurança.

2. RECUO DO EIXO

O pivô da tragédia, para a investigação, é uma obra iniciada em 2012 que deixou o topo da barragem em forma de "S". Não recomendada por engenheiros, a alteração foi feita sem projeto, mas registrada em documentos enviados ao governo de Minas. O recuo foi feito para que houvesse uma drenagem na lateral em Fundão. A Samarco diz que ele era temporário e fazia parte da operação da barragem —por isso não havia necessidade de projeto.

3. TRINCAS E MANUTENÇÃO

Em vistoria em setembro de 2014, o projetista de Fundão disse ter visto trincas no "S" do recuo. Em depoimento, afirmou que a situação era "severa" e precisava de "providência maior do que a que a Samarco estava tomando".

Nos dez dias que antecederam a ruptura, a mineradora deixou de medir os aparelhos que controlavam a pressão da água no solo. Nos dois dias anteriores, os equipamentos foram desligados para manutenção. A Samarco diz que considerou todas as recomendações e tomou providências.

4. DANOS

A lama afetou a pesca no rio Doce. Para evitar mais poluição, a Samarco construiu diques, mas eles não vão impedir que os rejeitos cheguem aos rios em época de chuva, de acordo com o Ibama.

A mineradora diz que, para evitar vazamentos, precisa construir novo dique em distrito de Mariana —mas é alvo de resistência de famílias e Promotoria, que temem os impactos. Em relação às vítimas, familiares dos 19 mortos já receberam indenização. Um corpo ainda não foi achado.

5. ACORDO

Um acordo da Samarco com a União e os governos de MG e ES foi assinado em março, com previsão de gasto de R$ 4,4 bilhões até 2018 para a recuperação do rio Doce. A homologação ocorreu em maio, mas foi suspensa pelo Superior Tribunal de Justiça, devido à falta de debate com Ministério Público e as populações atingidas. Empresas e governos recorreram, mas ele foi anulado nesta semana e voltará a ser discutido. A Procuradoria pede na Justiça reparação de R$ 155 bilhões.

6. RESPONSÁVEIS

Seis funcionários da Samarco, um da Vale e um da VogBR (que prestava serviços à mineradora), além das três empresas, foram indiciados pela PF sob suspeita de crime ambiental. Também foram denunciados pelo Ministério Público Estadual de Minas Gerais, sob acusação de fraude no processo de licenciamento, oito funcionários da Samarco e dois da VogBR. Todos negam irregularidades. Diretores e gerentes da Samarco, incluindo o ex-presidente Ricardo Vescovi, deixaram o cargo para se defender.

7. VALE

Em 2010, a Samarco autorizou a Vale a jogar lama em Fundão. Nem o governo de Minas nem o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), da União, tinham sido informados disso. Um mês após a tragédia, a Vale modificou dados oficiais de produção. Para a Polícia Federal, foi uma tentativa de mostrar que jogava menos rejeitos no local, para diminuir sua responsabilidade. A mineradora diz ter corrigido 1% dos dados dos relatórios, como é admitido pela legislação, com acompanhamento das autoridades e que agiu com transparência.

O Caminho da Lama


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