Folha de S. Paulo


Elitização é risco com 'parque privado' planejado por Doria

O investimento privado pode ser bem-vindo para manter, revitalizar ou ampliar os serviços de parques públicos, mas a proposta de João Doria (PSDB) de conceder essas áreas verdes em São Paulo embute riscos que preocupam ambientalistas e especialistas em gestão pública.

Entre eles, a ameaça de elitização ou degradação dos espaços diante da exploração de atividades por empresas.

A assessoria do tucano afirma que a intenção é repassar à iniciativa privada "todos os parques" municipais, não só os aparentemente mais atraentes, como Ibirapuera.

Embora a cobrança de ingresso não seja prevista, serviços oferecidos aos usuários (do estacionamento à água de coco ou sorvete) podem virar uma opção de rendimento de concessionários e, com isso, ter preços mais caros.

"No caso do Ibirapuera, por exemplo, se passar a cobrar pela utilização do banheiro, haverá uma restrição de uso. O local estará deixando de ser um bem comum para toda a sociedade", diz Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas. "No exterior, a renda das pessoas é outra, e até faz sentido esse tipo de cobrança", afirma.

As concessões também não poderão ferir os regulamentos dos parques públicos, e isso pode representar um engessamento para investidores.

Shows para multidões, que podem gerar impacto em áreas verdes, costumam ser vetados pelos conselhos gestores dos parques. Esses colegiados têm representantes da sociedade civil. Se houver liberação para grandes eventos comerciais, a deterioração dos espaços preocupa.

Marconi diz que, em tese, não é contra a gestão privada dos parques. Mas sugere que, antes de assinar contratos de concessão, haja uma consulta pública sobre a iniciativa.

CENTRAL PARK

"Não conheço nenhum outro parque urbano do mundo que seja concedido inteiro à iniciativa privada", afirma Thobias Furtado, diretor presidente da ONG Parque Ibirapuera Conservação.

Ele se diz totalmente favorável à participação do setor privado nos parques, mas afirma preferir outro modelo.

"Os contratos deveriam ser feitos com instituições sem fins lucrativos", afirma. Para sustentar seu ponto de vista, Furtado cita o exemplo do Central Park, em Nova York.

O parque é mantido, há mais de 40 anos, pela mesma ONG, fundada oficialmente em 1980. Nos anos 1960, o atual cartão-postal nova iorquino era uma área degradada. O lago só tinha lixo.

"Quem administra o local é o Central Park Conservancy. Eles têm contrato com a prefeitura, que repassa os recursos para eles gerirem", afirma. Do orçamento anual de US$ 67 milhões, 75% são de recursos privados.

Boa parte do dinheiro não estatal vem de doações. Os ricos moradores do entorno não querem ver seu quintal degradado, situação diferente da encontrada no "Central Park paulistano". No Ibirapuera, que também tem doações privadas, por volta de 90% do orçamento é público.

No primeiro semestre de 2016, a prefeitura paulistana gastou por volta de R$ 11,1 milhões, contando contratos com as empresas que fazem a segurança e a limpeza.

Os eventos e as concessões dos serviços do parque renderam por volta de R$ 1,1 milhão no mesmo período. "Existe espaço para o local gerar muito mais com os eventos", afirma Furtado.

Outra preocupação, no caso das concessões privadas, é a preservação da biodiversidade. "É preciso saber como serão as ações de sustentabilidade das empresas nos parques", diz Marcos Buckeridge, botânico da USP e presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.


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