Folha de S. Paulo


Plano de privatizações de Doria terá obstáculos em série

Anunciadas como solução para as finanças, a saúde e a educação, as privatizações e concessões planejadas pelo prefeito eleito João Doria (PSDB) esbarram no cenário econômico, no desafio de atrair interessados e na resistência de moradores e de órgão de patrimônio histórico.

O tucano prometeu vender o complexo do Anhembi e o autódromo de Interlagos e conceder o estádio do Pacaembu, ciclovias, faixas e corredores de ônibus, cemitérios, parques e mercados.

Com Interlagos e Anhembi, afirma que espera obter R$ 7 bilhões. Atualmente, os locais são geridos pela SPTuris, empresa que tem a prefeitura como maior acionista.

Segundo Doria, os espaços manterão as atuais finalidades. Para especialistas, pode ser um obstáculo para negociá-los, em cenário econômico de incertezas. "É possível regular um ativo quando se vende, mas isso traz um risco ao investidor", diz Sérgio Lazzarini, professor do Insper. Para ele, Doria terá de mostrar a empresários que não intervirá em excesso nos contratos.

Doria e concessões

Consultora em regulação e professora da FGV, Vera Monteiro avalia que a manutenção do uso é complicada no caso do autódromo. Para ela, o futuro dono pode querer dar ao local outra destinação se não obtiver lucro com corridas.

Há duas semanas, a realização do GP de Fórmula 1 no Brasil foi colocada como "sujeita a confirmação" no calendário da FIA (Federação Internacional de Automobilismo).

Anhembi e Interlagos dão lucro. A SPTuris projeta saldo positivo de R$ 18,7 milhões e R$ 6 milhões, respectivamente. Já equipamentos que não geram lucro têm potencial de atratividade menor.

É o casos das ciclovias. Doria defende entregar a manutenção delas a empresas em troca de publicidade. Em abril, a CPTM, companhia paulista de trens, abriu chamado para fazer o mesmo na ciclovia do rio Pinheiros. Não houve interessados.

O estádio do Pacaembu, que Doria pretende conceder, tem outras dificuldades. Esvaziado após a inauguração de outras arenas, não se paga. Neste ano, a prefeitura gastou nele até julho R$ 4,7 milhões. A receita foi de R$ 1,7 milhão.

Uma decisão da Justiça proíbe a realização de eventos que gerem ruído na área, residencial, o que impede atividades como shows. Moradores são contra também a realização de jogos noturnos. "O problema não são as partidas, mas flanelinha, estacionamento desordenado e a rua virar banheiro público", diz Rodrigo Mauro, presidente da associação Viva Pacaembu.

Outro entrave são os órgãos de patrimônio, pois o bairro é tombado. Em julho, a proposta de concessão e reforma da gestão Haddad (PT) foi criticada por conselheiros em sessão do Condephaat, órgão estadual responsável pela área.

"A cidade não precisa de mais uma arena", diz o arquiteto Silvio Oksman, integrante do colegiado. Ele afirma que, independentemente de quem gerir o estádio, é preciso garantir um "uso público". Nessa categoria, estão jogos de campeonatos como a Copa São Paulo de Futebol Júnior.

Para Vera, professora da FGV, "o estádio pode ser um elefante branco". Ela usa o exemplo do Mineirão e diz que a concessão pode não estancar o gasto público. "A bilheteria vai para o dono do jogo, e, mesmo com cessão de lanchonetes, o Estado segue pagando parte do custo."

Outro exemplo, diz, é a linha 4-amarela do metrô paulista. Apesar de ser uma concessão, o governo teve gastos com o empreendimento.

OUTRO LADO

Taxas de retorno atrativas vão garantir o sucesso das concessões, afirma o prefeito eleito João Doria (PSDB).

"Não adianta estabelecer uma taxa interna de retorno que não atenda à realidade econômica e empresarial do Brasil", disse Doria em nota.

No caso do Anhembi e de Interlagos, avaliações de mercado dão base à previsão de ganho de R$ 7 bilhões à prefeitura. "O valor exato só será conhecido a partir dos estudos mais detalhados e pode, inclusive, superar esse valor."

Sobre o Anhembi, um dos atrativos das privatizações será a construção de duas torres comerciais, que, segundo ele, constam do projeto da gestão Haddad (PT).

A proposta petista prevê a concessão de 5% do Anhembi por 30 anos. O edital foi submetido a consulta e, pelo cronograma original, seria aberto até dezembro.

O plano de Doria é vender a totalidade do complexo. As intervenções na área serão feitas pelo setor privado.

No caso de Interlagos, diz, quem quiser comprar terá que atender o edital.

"É comum em negócios como esse que se estabeleça o destino do bem a ser negociado." A equipe tucana diz que o lucro virá de corridas, espetáculos e outros eventos.

Sobre o Pacaembu, Doria declarou que a manifestação de integrantes do Condephaat contra a concessão, em julho, "foi preliminar e desatenta" e que a transação levará em conta a parte histórica.

A taxa de retorno também é o argumento para defender por que a concessão das ciclovias em troca de publicidade terá destino diferente da feita pela CPTM, companhia de trens do governo Geraldo Alckmin (PSDB).

"Não adianta dizer que a ciclovia do rio Pinheiros, por si só, atrairá investimentos."

CARA OU COROA

Alguns dos números citados por Doria divergem dos balanços oficiais públicos.

No caso do Pacaembu, a prefeitura cita gasto de R$ 4,6 milhões ao ano, e o prefeito eleito falou em R$ 50 milhões em quatro anos.

No caso do autódromo, ele falou em R$ 400 milhões em quatro anos, e a gestão Haddad diz que a manutenção do autódromo varia entre R$ 5 milhões e R$ 8 milhões ao ano.

Questionado, o tucano disse que os números são estimativas "feitas por especialistas" e incluem salários de funcionários públicos dos locais.


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