Folha de S. Paulo


Congelar tarifa de ônibus deve custar R$ 1 bi a Doria e comprometer obras

Zanone Fraissat/Folhapress
Motoristas e cobradores de ônibus param as atividades no terminal Dom Pedro, no centro de São Paulo; categoria reivindica reajuste de 5%
Ônibus estacionados no terminal Parque Dom Pedro 2º, na região central de São Paulo

O congelamento da tarifa dos ônibus em 2017 previsto pelo prefeito eleito João Doria (PSDB) deverá provocar um custo adicional ao caixa da prefeitura de R$ 1 bilhão, valor suficiente para construir 30 km de corredores exclusivos para coletivos.

O cálculo feito por técnicos municipais se deve à evolução dos custos do serviço de ônibus no ano que vem, que, pela proposta orçamentária enviada pela gestão Fernando Haddad (PT) à Câmara Municipal, deveria ser coberta pelo reajuste da tarifa.

Sem aumento da passagem, uma fatia maior dos gastos do sistema de transporte tende a ser bancada pelo dinheiro dos cofres municipais –subsídio que é repassado às viações de ônibus para cobrir a diferença entre aquilo que os passageiros pagam e os custos reais do serviço.

A prefeitura arrecada hoje perto de R$ 5,3 bilhões por ano com a tarifa, mas a quantia repassada às empresas pelo serviço prestado ultrapassa R$ 7 bilhões –porque independe do valor da passagem cobrada dos usuários, conforme as regras contratuais.

Se em 2016 essa diferença coberta com subsídios será de pouco mais de R$ 2 bilhões, em 2017, sem atualização da tarifa de ônibus, ela pode ultrapassar R$ 3 bilhões.

Esse gasto extra é suficiente para construir os corredores Itaim-São Mateus (zona leste), que inclui um terminal de ônibus, e Bandeirantes-Salim Farah Maluf (zona sul), que, juntos, somam 32 km por cerca de R$ 1,1 bilhão.

A diferença entre os custos e a arrecadação do serviço de ônibus é acentuada pela expansão de passageiros que viajam de graça. São as gratuidades, totais ou parciais, oferecidas a idosos acima de 60 anos, deficientes, desempregados e estudantes. O passe livre para alunos de baixa renda, por exemplo, foi implantado na gestão Haddad.

Pesa também nessa conta os benefícios do Bilhete Único, que permite a qualquer passageiro realizar baldeações gratuitas ou integração com a rede de trens do Metrô e da CPTM com desconto.

Se não houvesse nenhum tipo de subsídio do caixa da prefeitura, a tarifa teria um custo real superior a R$ 5 para compensar as gratuidades e quitar os gastos do serviço.

Custo do transporte de ônibus

AUMENTO PROGRAMADO

Se fosse corrigida pela inflação no começo do ano que vem, a passagem de ônibus deveria saltar de R$ 3,80 para algo próximo de R$ 4,15.

Haddad já previa um reajuste em 2017, em conjunto com a elevação das tarifas do metrô e trens pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB), assim como ocorreu neste ano.

Em janeiro, as passagens subiram de R$ 3,50 para R$ 3,80, medida acordada entre as duas esferas de governo.

Prova da expectativa de aumento da tarifa de ônibus foi a cifra prevista de subsídios na proposta de Orçamento de 2017, enviada por Haddad à Câmara na semana passada.

O gasto estimado com esses repasses foi de R$ 1,8 bilhão, mesmo valor programado inicialmente para 2016 –mas que acabará acrescido com remanejamento de recursos de outras áreas pela prefeitura. Para conseguir limitar os subsídios a esse patamar, porém, seria preciso subir a tarifa.

TRANSFERÊNCIAS

Para cobrir subsídios aos ônibus em 2016, Haddad precisou retirar dinheiro de outros investimentos nas últimas semanas. Por exemplo, um dia antes da eleição, ele retirou perto de R$ 100 milhões destinados à construção de corredores de ônibus para cobrir gastos com as viações.

Empresas que atuam na periferia estavam pressionando a administração sob a justificativa de que os repasses estavam atrasados, resultando em dívidas com combustíveis.

A expectativa é que a nova licitação do transporte, que começou a ser preparada pela gestão Haddad e vai selecionar novas empresas de ônibus para a capital, possa reduzir os custos e a margem de lucro dos empresários.

O processo licitatório, porém, não teria como ser finalizado por Doria logo no começo de mandato. Enquanto isso, as empresas têm prestado os serviços em São Paulo por meio de aditivos ou por contratos emergenciais.

OBRAS

Obras de diferentes áreas da cidade de São Paulo podem ser afetadas pelo congelamento da tarifa de ônibus no próximo ano.

Para 2017, a quantia prevista para investimentos gerais da prefeitura seria de R$ 5,8 bilhões –calculada pela gestão Haddad sem levar em conta a manutenção da tarifa em R$ 3,80.

Com a promessa do tucano, os recursos para obras podem cair R$ 1 bilhão. "Com esse dinheiro poderia construir o corredor da Radial Leste, o da [av.] 23 de Maio. De 25 km a 30 km de corredores", diz o consultor em transporte Horácio Figueira. "O que é melhor para a sociedade? Economizar alguns centavos por dia ou ter melhoria concreta?"

TRIBUTOS - Quanto a prefeitura pretende arrecadar com cada imposto em 2017, em R$ bilhões*

Hoje, diferentes obras de mobilidade prometidas por Haddad estão paradas por falta de verbas. O dinheiro federal que a gestão petista contava não chegou, e, como o presidente Michel Temer (PMDB) promete apertar ainda mais o cinto, os municípios terão que andar com as próprias pernas se quiserem melhorar a infraestrutura.

Para Figueira, a decisão contradiz o discurso de "gestor" de Doria. "Ele não se coloca como um empresário gestor? Poderia vir a público e dizer: os custos são esses para manter o sistema. Isso tem que ser explicado para a sociedade de forma didática."

O reajuste da tarifa de ônibus costuma ocorrer de forma simultânea aos do trem e do metrô (estaduais). No próximo, Geraldo Alckmin (PSDB) deverá aplicá-lo sozinho.

O consultor Sergio Ejzenberg, mestre em transportes pela Poli-USP, também critica a decisão do prefeito eleito.

Segundo ele, só é possível congelar uma passagem no caso de cortes de custos por meio da reorganização do sistema. Atualmente, diz, há desperdício no sistema.

"Hoje há ônibus superarticulados [com capacidade para 200 passageiros] andando em ruazinhas. Esses ônibus são feitos para transportar grande capacidade de pessoas, aí eles se pagam."

A reorganização incluiria construção de corredores, mudança de linhas e terminais, para diminuir os custos. O que não pode é continuar com um sistema desorganizado, que consome R$ 2 bilhões por ano [em subsídios], e aumentar para R$ 3 bilhões."

SUBSÍDIOS

Em São Paulo, a arrecadação com a tarifa é suficiente para bancar perto de 70% dos custos do sistema. O restante é coberto com subsídios.

Em Paris, na França, por exemplo, a receita obtida com a passagem paga pelos usuários cobre apenas 40% do total –a maior parte da quantia vem de subsídios governamentais e outras fontes de renda. Em Londres, as tarifas bancam pouco mais de 50%.

Em Praga, na República Tcheca, os subsídios chegam a 74%, de acordo com dados divulgados pela Autoridade de Transporte Europeia.


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