Folha de S. Paulo


ABI repudia declarações de juiz do Carandiru e critica lentidão da Justiça

Niels Andreas/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 02-10-1992: Massacre do Carandiru: corredor alagado de sangue no pavilhão da Casa de Detenção de São Paulo, após a intervenção da Polícia Militar do Estado de São Paulo para conter uma rebelião, em São Paulo (SP). A rebelião teve início com uma briga de presos no Pavilhão 9 da Casa de Detenção. A intervenção da Polícia Militar, liderada pelo coronel Ubiratan Guimarães, tinha como justificativa acalmar a rebelião no local. Sobreviventes afirmam que o número de mortos é superior ao divulgado e que os policiais atiraram em detentos que já haviam se rendido ou que estavam se escondendo em suas celas. Nenhum dos 68 policiais envolvidos no massacre foi morto. A promotoria do julgamento do coronel Ubiratan classificou a intervenção como sendo
Corredor alagado de sangue no corredor do pavilhão 9 do Carandiru, após o massacre

A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) divulgou nesta quarta (5), uma nota de repúdio às declarações do desembargador Ivan Sartori, sobre a cobertura jornalística do julgamento do Carandiru. Sartori sugeriu na terça (4), em um post em uma rede social, que a imprensa paulista recebe dinheiro do crime organizado.

O desembargador é um dos responsáveis pela anulação do júri que condenou os policiais militares envolvidos no massacre do presídio em 1992.

Reprodução/Facebook/Desembargador Ivan R.G. Sartori
Publicação do desembargador Ivan Sartori, um dos responsáveis por anular o julgamento do Carandiru
Publicação do desembargador Ivan Sartori, um dos responsáveis por anular o julgamento do Carandiru

Em nota, a ABI afirmou que considera a insinuação insultuosa, e que a imprensa limitou-se a comunicar o fato à opinião pública sem se imiscuir nas particularidades dos autos.

O comunicado ainda manifesta a perplexidade do órgão diante do que chamou de "inexplicável lentidão" no julgamento do processo. O assassinato de 111 detentos do presídio completou 24 anos este mês de outubro. Até agora, nenhum dos envolvidos foi preso.

"A ABI espera que o Tribunal de Justiça não eternize o julgamento dos acusados diante do sofrimento das famílias das vítimas", diz a nota.

JULGAMENTO

No último dia 27, o Tribunal de Justiça anulou o julgamento que havia condenado 74 policiais militares pelo massacre.

Como foi o massacre do Carandiru

Sartori presidiu a sessão. Além de votar pela anulação do júri, o desembargador ainda pediu a absolvição dos réus, sem necessidade de novo júri. Ele afirmou que "não houve massacre no Carandiru, mas sim legítima defesa [por parte dos PMs]".

O voto foi vencido —os outros dois desembargadores, Edison Brandão e Camilo Léllis, votaram pela anulação, não pela absolvição. Mas ainda há chances de prevalecer —dois outros desembargadores opinarão sobre a questão.

Sartori já ocupou o cargo de presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo entre 2012 e 2013.

Desde a semana passada a Folha tenta falar com o desembargador. Por meio da assessoria de imprensa, o Tribunal de Justiça diz que magistrados não podem falar sobre procedimentos em andamento por conta de lei orgânica.

"Quanto à entrevista solicitada ao desembargador, cumpre registrar que os magistrados são impedidos pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional, art. 36, inciso III, de manifestar 'por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério'".

O TJ não informou se as manifestações feitas por ele no Facebook ferem esse dispositivo.

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Leia na íntegra

A Associação Brasileira de Imprensa considera insultuosa a insinuação do Desembargador Ivan Sartori do Tribunal de Justiça de São Paulo ao afirmar que os veículos de comunicação teriam recebido dinheiro do crime organizado para produzir noticiário tendencioso sobre a anulação dos julgamentos dos acusados da chamada Chacina do Carandiru.

Ao registrar a decisão do Tribunal em procrastinar o desfecho do episódio que provocou a morte de 111 presos da antiga Casa de Detenção a imprensa limitou-se apenas em comunicar o fato à opinião pública sem se imiscuir nas particularidades dos autos do processo.

A ABI manifestou também, sua perplexidade diante da inexplicável lentidão em apreciar a responsabilidade dos envolvidos. Não se explica, nos dias de hoje, tamanha leniência em julgar os acusados.

Não se admite também que a Justiça de São Paulo tenha levado 24 anos para apreciar e julgar as peças desse processo.

Em 1924, durante o levante da antiga Força Pública, foram ouvidas na capital paulista 2.217 pessoas de diferentes nacionalidades e instaurados 1.693 inquéritos no prazo de seis meses. O Ministério Público Militar acolheu o relatório policial e ofereceu a denuncia em pouco mais de quarenta dias.

A ABI espera que o Tribunal de Justiça não eternize o julgamento dos acusados diante do sofrimento das famílias das vítimas.


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