Aos dois anos de idade, Luís Eduardo Garcia Próspero recebeu o equivalente a uma sentença de morte.
Portador de mucopolissacaridose, doença genética rara que impede o processamento de moléculas do açúcar, soube que dificilmente chegaria à adolescência. Sua saúde iria gradualmente piorar, até que o coração parasse de vez.
Ouviu dos pais que deveria viver da melhor forma possível e priorizar a qualidade do tempo em vez da quantidade. Perdeu parte da visão e do tato, teve problemas musculares, ósseos e do coração. Até que, aos 13, seu prognóstico mudou drasticamente.
Após entrar em um estudo clínico de um novo medicamento, sua doença parou de avançar e ele até melhorou os movimentos e a visão. Luís Eduardo fez faculdade, arrumou emprego e cursa a segunda graduação.
O problema é que sua sobrevida custa R$ 2,5 milhões, valor gasto por ano com o seu tratamento pela Secretaria Estadual da Saúde de SP, obrigada por decisão judicial. E, dependendo da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a distribuição de medicamentos de alto custo pelo SUS, pacientes como ele poderão perder o direito ao custeio de suas terapias.
Luís Eduardo sente como se estivesse prestes a receber uma nova sentença de morte. Seu sentimento é compartilhado por outros pacientes com tratamentos caros.
AUMENTO DA JUDICIALIZAÇÃO - Número de ações por 100 mil habitantes*
"O Supremo tem que evitar um genocídio", diz Sérgio Sampaio, presidente da Abram (Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose). A entidade reúne pacientes com fibrose cística, doença cuja terapia pode custar R$ 30 mil por mês. A doença, hereditária, provoca um acúmulo de muco no pulmão e em outros órgãos, o que dificulta a respiração e eleva a chance de infecções.
Zo Guimarães/Folhapress | ||
A biomédica Miriam Figueira, 28, que tem fibrose cística |
A biomédica Miriam Figueira, 28, do Rio, recebeu o diagnóstico aos 13 anos. Teve diversas infecções e tomou diferentes medicamentos, até que eles pararam de funcionar. O único remédio que produz efeito, diz, é um importado que não tem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), embora seja liberado pelo FDA, o órgão equivalente dos EUA.
Para obtê-lo pelo SUS, Miriam teve de recorrer à Justiça, e renova o pedido a cada seis meses. "Preferia não fazer. É muito estressante, já tive uma decisão negada e a família ficou desesperada", diz. Miriam argumenta que, com uma melhor gestão, e um registro mais rápido de novos produtos, seria possível diminuir os gastos do Estado com casos como o dela. "Tive menos internações depois de mudar o remédio", afirma.
A defensora pública do Rio Thaísa Guerreiro, que atua em casos como o dela, acrescenta outro obstáculo para os pacientes e sistemas de saúde. "Muitas vezes, a indústria farmacêutica não tem interesse em pedir o registro de medicamentos no Brasil porque o número de pacientes é pequeno, e não compensa o custo de fazer os estudos clínicos necessários à aprovação", diz.
AUMENTO DA JUDICIALIZAÇÃO - Condenações do Estado de SP
Diferente de Miriam, a assistente administrativa Maika Soares não teve que ir à Justiça para o tratamento para sua filha, que também tem fibrose cística. Mas o temor e a angústia são os mesmos.
A rede pública de SP entrega a ela vitaminas, antibióticos e outros medicamentos que a garota de 4 anos precisa e custariam R$ 30 mil. É o que mantém a garota viva e, mesmo assim, com uma rotina longe de normal –com infecções constantes, ela ainda não teve autorização médica para ir à escola, por exemplo.
Maika teme, porém, que a decisão do STF abra caminho para que os remédios deixem de ser fornecidos, o que causaria impacto incalculável o prognóstico da criança. "É como se ela estivesse no corredor da morte", afirma.