Folha de S. Paulo


Crime organizado domina comércio da fronteira entre Paraguai e Brasil

Em um lote de caixas, 470 quilos de cabelos oriundos da Índia. Em outras, energéticos, cervejas, motos, pneus, carriolas. Em cada uma, há ilegalidade e histórias sobre o contrabando na fronteira entre Brasil e Paraguai.

Fruto de apreensões na região, as caixas estão espalhadas em galpões da Receita Federal em Foz do Iguaçu e mostram as duas faces do contrabando no país.

Enquanto, de um lado, lotes guardam motos com compartimentos secretos para transportar objetos como smartphones ou pequenas porções de droga, de outro, carregamentos exemplificam como o crime organizado domina cada vez mais o contrabando entre os dois países.

"Os sacoleiros cometem ilegalidade, mas geralmente são pessoas que não são violentas. Nesse ponto, é um problema menor que o de operações que envolvem grandes quadrilhas", disse o chefe da equipe operacional da Receita em Foz, Paulo Kawashita.

Entre os produtos apreendidos com sacoleiros e contrabandistas estão medicamentos, como abortivos e redutores de apetite, anabolizantes e agrotóxicos. O que muda é a quantidade.

Quadrilhas também têm usado máquinas para esconder até três pneus dentro de uma quarta peça –deformados mas que, se passarem pela fiscalização, serão vendidos a consumidores brasileiros.

Ao menos 30 motores de barcos usados para transportar principalmente cargas de cigarro pelo rio Paraná também estão armazenadas no depósito paranaense.

"Tem ficado difícil viajar, porque tem muita fiscalização", disse o motorista Daniel Melo, 27, que organiza rota de Curitiba a Foz e cobra R$ 180 de cada passageiro.

ESPELHO

Esses grupos criminosos seguem o mesmo esquema do tráfico de drogas para proteger as mercadorias falsificadas ou que estouram a cota.

A Folha foi a dois bairros distintos de Foz do Iguaçu que, em comum, têm o contrabando como elo.

Na Vila Portes, pequenos hotéis e pousadas abrigam sacoleiros que nem chegam a se hospedar. Tomam café da manhã após horas de viagem e vão para o Paraguai comprar para, dali a no máximo oito horas, retornarem para suas cidades de origem.

Os ônibus costumam ficar guardados em estacionamentos que, em suas extremidades, são monitorados por olheiros, que dão aviso em caso da presença policial nas redondezas.

Sacoleiros no Brasil

Já o Jardim Jupira, às margens do rio Paraná, é uma favela usada, conforme a polícia, para escoar contrabando que chega ao local após cruzar a fronteira.

O controle do local é feito por sentinelas e atribuído à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), que dali envia as "encomendas" à capital paulista. Um integrante do grupo foi preso há três semanas durante operação.

Uma das quadrilhas organizadas foi flagrada com o lote de quase meia tonelada de cabelos castanhos provenientes da Índia, avaliado em R$ 229 mil, ou US$ 150 o quilo.

O total acumulado de cabelo apreendido já chegou a ultrapassar uma tonelada. Houve doação de parte das apreensões a instituições que produzem perucas para mulheres que passam por quimioterapia.

PACIÊNCIA

As apreensões de contrabando em geral ocorrem após operações desencadeadas pela polícia ou pela Receita.

Como as estradas também têm olheiros, as equipes iniciam a operação horas antes do período definido para a ação. Escondidos em meio a estradas de terra –onde chegam a ficar o dia todo–, agentes esperam o aviso de uma equipe que, na BR-277, monitora veículos suspeitos.

Definidos os alvos, as potentes camionetes arrancam do esconderijo e, em menos de um minuto, interceptam os veículos na rodovia.

Os produtos apreendidos têm quatro possíveis destinos: doação, incorporação ao patrimônio da União, leilão ou destruição –caso de produtos falsificados, como óculos, cigarros e CDs e DVDS, os dois últimos praticamente já extintos da vida dos sacoleiros.

Apesar das queixas dos sacoleiros, as apreensões caíram 38% nos primeiros sete meses de 2016 na fronteira entre Brasil e Paraguai.

Para a Receita em Foz do Iguaçu, os motivos são a crise econômica e a redução de compradores devido às fiscalizações. Já o Sindireceita (sindicato dos analistas) afirma que falta efetivo para agir nas fronteiras.

CESTAS LEVES

Apesar das apreensões, ainda compensa arriscar e comprar no Paraguai, segundo sacoleiros ouvidos no país vizinho. A Folha encontrou um grupo de paulistanos que viaja três vezes por semana para buscar mercadorias para lojas da capital e que, ao término da jornada, monta "cestas" de produtos para tentar não exceder US$ 300, 30 itens e 30 kg de peso.

No piso de uma galeria paraguaia, dividem em kits DVDs automotivos, brinquedos (dinossauros de plástico, bonecas e miniaturas de carros), cremes, suplementos para atletas, bebidas e pacotes de cigarro.

"É óbvio que a destinação é comercial, a fiscalização pode dar trabalho, mas é o jeito que temos para tentar viver", disse o líder da viagem, João Marques. O grupo não foi parado por agentes.

A esteticista Mônica Cavalcanti Garcia, do Rio, viajou com um grupo de amigas por 25 horas para comprar especialmente perfumes e presentes para o Natal. Como ela, compristas afirmaram à Folha que remédios, eletrônicos, cigarros e perfumes dão lucros superiores a 100%.

"O contrabando de cigarro é tão vantajoso quanto o tráfico de drogas", diz Paulo Kawashita, da Receita. Uma caixa com 500 maços pode ser comprada, dependendo da marca, por R$ 324,80, ou R$ 0,65 por maço –vendido depois por até R$ 3,50 no Brasil.

Os assaltos também assustam –nos últimos quatro anos, foram ao menos 30 em estradas que cortam SP e PR.

Sacoleiros e comércio na fronteira - Produtos apreendidos de janeiro a julho, em milhões de US$


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