Folha de S. Paulo


Decisão do STF sobre fornecimento de remédios guiará ações pelo país

Dois casos que devem voltar à lupa dos ministros do Supremo Tribunal Federal na próxima semana têm movimentado entidades na área da saúde, representantes de pacientes, do governo federal e de administrações estaduais.

Os processos envolvem o fornecimento de medicamentos não disponíveis no SUS ou sem registro no Brasil e reabrem a discussão sobre o direito de acesso à saúde e o impacto de ações judiciais nas contas dos governos.

Iniciado na quinta-feira (15), o julgamento, que deve ser retomado na quarta (28), terá repercussão em outros casos semelhantes no país.

Judicialização da saúde

São dois pontos em jogo. O primeiro deles é se o Estado deve fornecer remédios de alto custo e ainda não disponíveis no SUS a pacientes sem condições de obtê-los.

O debate surgiu após uma paciente do Rio Grande do Norte com miocardiopatia e hipertensão arterial pulmonar obter, na Justiça, o acesso a um medicamento de alto custo e não disponível à época no SUS. Obrigado a custear o remédio, o governo estadual recorreu ao STF.

O segundo caso envolve o fornecimento de remédios sem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Foi o que pediu à Justiça, em 2009, uma paciente de Minas Gerais que buscava tratamento para o quadro de doença renal crônica, somado a outras complicações graves. Diante de negativas, a paciente recorreu ao STF.

Na primeira sessão do julgamento, o ministro relator do caso, Marco Aurélio Mello, entendeu que o Estado não pode deixar de fornecer remédios de alto custo para pacientes sem recursos, desde que tais produtos tenham registro na Anvisa. Outros dez ministros ainda devem votar.

CUSTOS DA JUDICIALIZAÇÃO - Gastos do Ministério da Saúde com ações judiciais, em R$ bilhões*

IMPOSTO

Para Marconi de Oliveira, procurador-geral do RN, governos não têm orçamento para arcar com medicamentos fora da lista do SUS.

"A partir do momento em que o Judiciário obrigar o Estado a fornecer medicamentos além do que existe de recursos, a única saída é aumento de imposto", afirma.

Ele cita levantamento feito nos Estados que mostra que 70% dos recursos destinados à compra de medicamentos são usados para atender ações judiciais. "O direito coletivo à saúde fica com 30% e o individual com 70%. Isso gera um prejuízo para a sociedade", diz Oliveira.

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirma que ao mesmo tempo em que é legítima a possibilidade de demandar tratamentos na Justiça, há uma limitação do governo em conseguir atender a esses pedidos. Os gastos da União em ações judiciais cresceram 797% em cinco anos –de
R$ 122,6 milhões, em 2010, para R$ 1,1 bilhão em 2015.

Zanone Fraissat/Folhapress
Ministros votarão sobre direito a medicamentos não disponíveis no SUS
Ministros votarão sobre direito a medicamentos não disponíveis no SUS

"São decisões judiciais, muitas vezes liminares, que acabam desestabilizando completamente o sistema", disse no STF a advogada-geral da União, Grace Mendonça. Ela defende que o governo não tem obrigação de fornecer "tudo a todos", mas sim fornecer a todos "tudo o que estiver disponível no SUS".

Já para Carlos Paz, defensor público geral da União, o custo dos medicamentos deve ser olhado da perspectiva de quem precisa. "Para uma população de baixa renda, o que é alto custo pode ser algo muito mais acessível", disse ele, para quem os processos judiciais colaboram para a incorporação de alguns tratamentos no SUS –e, assim, para redução dos preços.

"Ao invés de ver isso como algo que dificulta a vida do Estado, vemos como algo que contribui para melhorar a política de saúde." Paz defende ainda que a existência de registro ou não dos medicamentos não seja impeditivo para que casos semelhantes sejam analisados pelo Judiciário.

Essa também é a preocupação de Sérgio Sampaio, presidente da Abram (Associação Brasileira de Mucoviscidose), entidade que representa pacientes com fibrose cística. Para ele, a decisão sobre os dois casos pode afetar o futuro de outros pacientes com doenças raras.

"Muitas dessas doenças criminalizadas pela judicialização carecem da importação de drogas de outros países", afirma. "Se a decisão for aos moldes do que foi votado pelo relator, muitos pacientes que hoje recebem medicamentos via liminar podem deixar de receber."


Endereço da página:

Links no texto: