Folha de S. Paulo


'Shopping trem' de SP vende de doces a caminha para cachorro

Ambulantes nos trens do Metrô e da CPTM em SP

Passa das 10h de terça-feira, e os vagões do metrô da linha 3-vermelha, rumo à estação Corinthians-Itaquera, estão cheios, mas não lotados. Espaço perfeito para um tipo de passageiro circular à vontade. Com pouco mais de 20 anos, ele tem pressa em abrir a mochila, sacar de lá películas de silicone e engatar um discurso pra lá de ensaiado: "Bom dia, pessoal. Desculpa atrapalhar a viagem de vocês. Aqui é o shopping metrô!".

O material é vendido a R$ 1. "Melhor do que gastar R$ 30 para tirar um documento novo", justifica-se. O jovem guarda outra surpresa: depois de percorrer todo o vagão, refaz o caminho oferecendo fones de ouvido. "Era R$ 10. Agora, R$ 5. Prefiro vender mais barato do que deixar o rapa levar tudo."

O ambulante não age sozinho. Antes de atuar naquele vagão, um comparsa deu uma "blitz" para checar se a área estava "limpa" e o avisou por mensagem de celular. O esquema funciona assim: um "olheiro" comanda a operação para evitar que a fiscalização confisque os produtos e os coloque para fora.

Morador de um cortiço no Glicério (região central de São Paulo), o rapaz contou, sob a condição de anonimato, que trabalhava numa metalúrgica na Barra Funda, zona oeste. Há cerca de três meses, foi demitido. "Cansei de procurar emprego e não encontrar nada. Tive que ir para o shopping metrô", diz, cabisbaixo. "Não sou camelô. Estou. Preciso pagar o aluguel e comer."

Abordagem mais que conhecida pelos usuários da CPTM, esse tipo de ação começou, recentemente, a ganhar evidência no Metrô. "Agora, é quase impossível você pegar a linha vermelha ou a azul sem ser abordado. Antes, a gente não via isso acontecer", conta a pesquisadora Carmem Lúcia Gomes, 56, acostumada a correr a cidade de trem e metrô.

"Tem até dupla tocando música sertaneja por uns trocados", acrescenta o produtor cultural Juliano de Souza, 40, que, diariamente, usa a linha 3-vermelha. "Sem falar nos garotos de rosto pintado na cor prata, fazendo a manjada linha Pierrot", comenta.

O comércio ostentação é mais forte, sobretudo, na CPTM. Na linha 12-Safira, por exemplo, que liga o Brás a Calmon Viana, é fácil esbarrar em ao menos sete vendedores em um único vagão. Como não há separação entre os carros, o assédio é constante.

Um único ambulante oferece bala Fini, chiclete Mentos e saquinho de amendoim doce, salgado e sem pele –cada um deles a R$ 1. Vendedora com carteira assinada, Suellen Camargo, 20, pega trem todos os dias para ir ao trabalho, no Brás, e para voltar para casa, em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. Diz ela: "Aumentou absurdamente o número de ambulantes e a quantidade de produtos vendidos nos vagões da CPTM. É explícito".

Em seguida, complementa: "Não vou ser hipócrita. Prefiro comprar deles do que pagar mais impostos para o governo. É muita gente desempregada." Só em 2015, o Brasil perdeu 1,5 milhão de vagas formais de trabalho.

AMBULANTES NOS TRENS - Com crise, número de apreensões cresce na CPTM*

ROLO NA ESTAÇÃO

Como toda atividade comercial, os ambulantes sacam de suas estratégias na hora de converter os clientes. Além do "shopping trem" e "shopping metrô", frases como "Ei pessoal, a porta fechou, o perigo passou, o marreteiro chegou" ajudam na hora de cortejar a freguesia.

Esses vendedores fogem dos horários de pico por razões óbvias: não há como circular no meio da multidão. Os principais períodos em que ocorrem as vendas ilegais dentro do Metrô e da CPTM são entre 9h e 11h, 14h e 17h e também depois das 20h.

"O que me incomoda são aqueles que deixam um bilhetinho ou o próprio produto no seu colo", critica a doméstica Maria do Carmo Assumpção, 37, de Guaianases, zona leste, se referindo à tática dos ambulantes conhecida como "venda por piedade". Calcada numa narrativa trágica, esta pode envolver a perda de emprego, doença incurável, saída da cadeia ou personagens que incorporam o retirante que acabou de chegar a São Paulo e, vítima de assalto, está sem grana. Sobreviventes de chacinas estão em voga ultimamente.

Devido ao grande fluxo de passageiros na integração entre Metrô e CPTM, a estação Brás costuma se transformar, nas tardes de sábado e de domingo, numa espécie de sucursal da rua 25 de Março.

Dentro da própria estação é montada uma feira clandestina, onde é possível encontrar short "Nike", blusa "Adidas", fone de ouvido "Samsung" –falsificados, é claro–, doce, água, chocolate, desodorante, sapato para criança, blusa, capinha de celular, lanterna e até (acredite) casinha para cachorro.

"Os seguranças passam, e os ambulantes vão, como que automaticamente, saindo de cena", explica Amanda Tânia da Silva, 19, vendedora da loja Pura Rosa Bolsas, que funciona dentro da estação. "É a crise, o desemprego... Quer saber? Prefiro ver eles vendendo do que roubando."


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