Folha de S. Paulo


Ciclistas criam estratégias para escapar de roubos e furtos de bicicletas em SP

Alvo de tentativa de assalto numa ciclovia de Perdizes (zona oeste) que lhe rendeu uma queda e 17 pontos na cabeça, a publicitária Patricia Moreira, 38, decidiu tapar com uma fita a marca de sua bicicleta –elétrica e dobrável, avaliada em R$ 3.500– para não chamar mais atenção.

A jornalista Julyana Rosa, 31, tem uma bike de R$ 1.000, mas costuma usar com mais frequência outra, de R$ 300, para evitar roubos. Mesmo assim, ladrões tentaram levar sua bicicleta no domingo (28) na ciclovia da avenida Paulista –ela conseguiu fugir.

No caso do entregador e fotógrafo Paulo Preto, 49, a bicicleta é instrumento de trabalho. Ele não pode perder seu ganha-pão, mas evita as ciclovias debaixo do Minhocão e da marginal Pinheiros, à noite.

O motivo é que, nesses e em outros pontos, sobram relatos de roubos e furtos de bicicletas em São Paulo, problema que tem levado ciclistas a traçar diversas estratégias.

A rede de ciclovias na capital paulista teve forte expansão, com mais de 340 km nos últimos três anos. Mas os usuários se queixam da falta de policiamento e iluminação.

A atriz Alessandra Reis, 45, já teve, com seu marido, quatro bicicletas furtadas. "Mas não vou deixar de andar", diz ela, que não deixa mais a bicicleta trancada na rua, sempre procura um estacionamento ou carrega a bike para dentro dos locais aonde vai.

ALTO PADRÃO

Na av. Sumaré, a ciclista Thais Serra, 27, foi assaltada, agredida e chegou a desmaiar no último dia 10. O relato viralizou nas redes sociais. A bicicleta valia R$ 4.250 e tinha seguro contra roubos.

Dados fornecidos via Lei de Acesso à Informação ao portal Fiquem Sabendo e confirmados à Folha pela Secretaria de Segurança Pública apontam que, no primeiro semestre, as delegacias com mais registros de roubos de bicicletas foram as de Pinheiros (90 casos), Perdizes (44) e Jardins (39), bairros de alto padrão na zona oeste.

Robson Ventura/Folhapress
Av. Sumaré, onde há casos de roubos de bike
Av. Sumaré, onde há casos de roubos de bike

Para Daniel Guth, presidente da Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo), a segurança dos ciclistas não pode estar associada ao comportamento deles, mas deve ser responsabilidade do poder público.

"Há mais roubos de bicicletas onde há bicicletas caras, onde a desigualdade social é mais evidente. A questão é mais profunda que só policiamento", afirma.

O prefeito Fernando Haddad (PT) prometeu em 2014 que colocaria 1.200 guardas civis metropolitanos com bicicletas rondando as ciclovias, um a cada 300 metros. A reportagem não encontrou nenhum desses agentes municipais em sete dessas pistas visitadas nesta semana –e só viu PMs em duas.

Cade minha bike

Na ciclovia da Radial Leste, a Folha contou mais de 20 lâmpadas queimadas e um cenário de total escuridão próximo à estação Penha do metrô. Também há pontos escuros, por exemplo, na av. Sumaré, na altura da praça Irmãos Karmam, e na via para bicicletas da av. Braz Leme, perto da rua dos Tibães.

O mesmo acontece em trechos da ciclovia da margem oeste da marginal Pinheiros, administrada pelo Metrô, da gestão Geraldo Alckmin (PSDB), que, depois de relatos de roubos, ganhou o apelido de "ciclofaixa de Gaza".

As vias para bikes da Paulista, Faria Lima e Minhocão possuem boas condições de iluminação, ainda que haja outras armadilhas na sinalização e conflito com pedestres, que também podem trazer risco aos ciclistas.

O Estado anunciou na sexta (26) que fará um cadastro de chassis de bicicletas, para rastrear as roubadas, mas ainda não há prazo. Enquanto isso, há sites na internet usados por ciclistas para tentar recuperar as bikes —a partir do modelo e local do roubo.

REFORÇO DO GOVERNO

A Secretaria da Segurança Pública, do governo Geraldo Alckmin (PSDB), diz que reforçou o policiamento nas regiões que tiveram relatos de roubos de bicicletas e onde há grande fluxo de ciclistas.

A gestão Fernando Haddad (PT) diz que o combate a esses crimes é responsabilidade do Estado, mas não responde sobre o anúncio do prefeito de que haveria 1.200 guardas municipais nas ciclovias. Ela só afirma que a GCM (Guarda Civil Metropolitana) realiza rondas com bicicletas na região central e nos parques do Carmo (zona leste) e Ibirapuera (zona sul), mas sem dizer com qual efetivo.

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A prefeitura diz ainda que a iluminação das ciclovias da Braz Leme e Sumaré está em pleno funcionamento, que estuda um projeto específico para essas ciclovias e que fará vistoria na Radial Leste.

Segundo a secretaria estadual, houve nos últimos sete meses 168 prisões de suspeitos de roubos e furtos de bicicletas na área do 23º DP (Perdizes), que atende a Sumaré. Nos últimos dias, diz, três foram presos na Paulista e região da USP (zona oeste).

O secretário Mágino Alves Barbosa Filho (Segurança) receberá nesta quinta (1º) cicloativistas para discutir detalhes da resolução que vai identificar os números de séries das bicicletas nos BOs.

DE VOLTA AO CARRO

A publicitária Patricia Moreira, 38, fazia o mesmo trajeto há dois anos: saía do trabalho em Pinheiros e pedalava até sua casa, em Perdizes, na zona oeste de São Paulo. Numa quarta-feira de março, descia pela ciclovia da av. Paulo 6º em direção à Sumaré. Quando passou sob um viaduto, dois jovens fecharam a pista.

"Ou passava por cima e machucava todo mundo ou desviava", conta. Decidiu pela segunda opção. Ao subir na grama, caiu e bateu a cabeça na guia. "Ouvi um claque. Botei a mão na cabeça e senti o rombo. Eles ainda vieram e tentaram puxar a bicicleta", conta ela, cuja bike, elétrica, custou R$ 3.500.

"Como minha perna estava em cima, gritei. Começou a chegar mais gente e eles fugiram", conta. Levou 17 pontos na cabeça. Antes de voltar a pedalar, resolveu tapar a marca da bicicleta, no quadro, com uma fita preta. Assim, evitaria que ladrões se interessassem por ela.

Já na primeira vez, achou que uma pessoa a seguia. Com medo, desistiu. Ficou a frustração de não se sentir mais segura. "Hoje, infelizmente, vou trabalhar de carro", diz.


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