Folha de S. Paulo


PM preso estuda processo e quer fazer própria defesa de chacina em Osasco

O policial militar Victor Cristilder dos Santos, 31, retirou do bolso da calça uma folha de caderno. Desdobrou o papel sobre a mesa e passou a citar à juíza Elia Bulman número de páginas, nomes de testemunhas e documentos que, segundo ele, conseguem provar sua inocência.

"São os autos que estão falando que sou inocente. Excelência, se a senhora observar na página dez dos autos, a testemunha Beta fala uma coisa. Já na página 1.232, no segundo depoimento, ela fala outra coisa totalmente diferente", disse Cristilder, conforme vídeos do processo aos quais a Folha teve acesso.

O Policial Militar é acusado, ao lado de outros três réus, de participar da morte de 17 pessoas em cidades da Grande SP, em agosto do ano passado, que, segundo apontou a investigação, ocorreram em retaliação às mortes de um PM e de um guarda municipal.

Diferente de outros réus, Cristilder participa diretamente de sua defesa e, além de citar detalhes de seus álibis, aponta as falhas e contradições da investigação. Em junho, por exemplo, em uma audiência em Carapicuíba (Grande São Paulo) seu desempenho em se defender deixou impressionadas a juíza e a promotora que conduziam a audiência.

– O senhor acessou como esse processo? O senhor teve interesse?, perguntou a promotora Sandra Reimberg.
– O réu tem que ajudar o advogado. Eu comecei a estudar o meu processo. Eu consegui ver muitas falhas, excelência, respondeu o PM.

Cristilder está preso após ser reconhecido por uma testemunha de um homicídio no dia 8 de agosto, na chamada pré-chacina, que disse ter visto o PM atirar em um rapaz. Em sua defesa, o policial citou as páginas do processo em que a pessoa que o acusa entrou em contradições: cor de roupas e modelo de carros usados pelo assassino.

O PM também citou o que seria a principal falha: a testemunha afirmou que o conheci pelo apelido "Boy", que até moraram na mesma rua, que Cristilder seria chefe de segurança de um supermercado em Carapicuíba.

O réu indica relatórios da própria investigação que mostram que ele nunca trabalhou em tal supermercado e, na rua apontada pela testemunha, morou outro PM, este sido apelidado de "Boy" –nunca investigado.

"Minha vida foi tomada nove meses dentro de um presídio por causa do testemunho fraudulento de uma pessoa", disse ele, um dos PMs que recusaram delação premiada em troca de redução de pena, como revelou a Folha.

A oferta foi feita a pedido do promotor Marcelo Alexandre Oliveira, que reconheceu dificuldade em condenar os réus por conta da falta de provas "contundentes".

Acusados da chacina na Grande SP

SOLDADO ELEUTÉRIO

A família de outro acusado de participação do crime, o soldado Fabrício Eleutério, fez uma investigação por conta própria para tentar mostrar que o PM estava na casa da namorada na noite da chacina. A namorada e sogra percorreram as ruas por onde passaram naquela noite para tentar encontrar imagens de câmeras de monitoramento para confirmar a versão delas.

"Nós fizemos o trajeto dele. Fizemos rua por rua, pedimos câmeras para vizinhos, usamos o Google Maps", disse a namorada Natália de Almeida na Justiça. "Eu e a Natália saímos como locas pela rua para achar câmeras. Por onde ele passou, para gente ter uma prova", disse a sogra, Zilá de Almeida. "Se Deus me ter mais tempo de vida, eu continuo falando que ele é inocente. Ele está pagando por uma coisa que ele não fez."

Eleutério foi reconhecido por um sobrevivente na fase de inquérito. Essa testemunha, porém, disse ter problemas de visão e que, no dia do crime, não estava usando óculos. Depois, durante depoimento à Justiça, não conseguiu reconhecer o policial novamente sem os óculos.

A sogra e a namorada do PM afirmam que ele estava na casa delas na hora da chacina. Rastreadores do celular e do carro usados por ele confirmam esse álibi. Pesa contra Eleutério o fato de ele já ter sido acusado de participação em outras chacinas. Nos próximos dias, a Justiça deve decidir se os réus vão à júri popular por esses crimes e, também, se permaneceram presos até lá.


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