Folha de S. Paulo


Agentes de Haddad atropelam regra ao retirar de praça morador de rua

Apesar de decreto publicado há dois meses que proíbe a apreensão de pertences de moradores de rua, agentes da gestão Fernando Haddad (PT) desrespeitaram as regras para esvaziar a praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, e garantir seu uso para um evento do Exército.

A intervenção no local, realizada na manhã de segunda (22) pela Subprefeitura da Sé com apoio da GCM (Guarda Civil Metropolitana), foi pedida pela força militar devido às celebrações do Dia do Soldado e à formatura de 2.000 cadetes na praça na manhã desta quinta (25).

A Folha falou com dois assistentes sociais, que não quiseram ser identificados, e ao menos dez moradores de rua que relataram confisco de itens na ação —como roupas, cobertores e documentos.

A maioria saiu de lá para dormir na cracolândia, em meio à concentração de dependentes de crack, do outro lado da avenida Rio Branco.

Em junho, no auge do frio, Haddad baixou um decreto proibindo agentes de recolherem itens pessoais de moradores de rua. Como efeito, houve difusão de barracas em praças, viadutos e calçadas.

A prefeitura nega ter havido desrespeito às regras, diz que já planejava a ação antes do pedido do Exército e que, com a proximidade do fim do inverno, operações de zeladoria serão intensificadas.

Os moradores de rua dizem ter sido avisados uma semana antes sobre a necessidade de sair da praça, que abriga uma estátua de Duque de Caxias, patrono do Exército.

Pelo decreto, caso os moradores não saiam voluntariamente, os abrigos podem ser removidos de dia, mas não os objetos pessoais. Havia cerca de 50 barracas na praça.

Diocrestes Figueiredo, 69, afirma que a cópia de seu RG e as fotos que tinha da sua filha e neta recém-nascida foram tomadas pelos agentes.

"Levaram minha barraca e três sacolas de roupa. Rasgaram barracas dos outros", diz Geraldo de Sousa, 30.

Artur Bonillo, morador da praça há três anos, também diz que levaram sua barraca. Marcelo de Sousa, 40, conta terem levado sua manta.

O Exército, por sua vez, distribuiu salgados e sucos para quem estava ali nas manhãs de terça (23) e quarta (24) "para que não fiquem tão contrariados de estarmos tomando espaço deles", diz Hedel Fayad, general que capitaneou a limpeza da praça.

"Ninguém vai proibi-los de ficarem lá. Mas não podem montar estruturas quase permanentes", diz Benedito Mariano, secretário de Segurança Urbana, que prevê a retomada de ações de zeladoria.

OUTRO LADO

A prefeitura afirma ter seguido "rigorosamente" os procedimentos estabelecidos no decreto publicado em junho que detalha as abordagens aos moradores de rua na ação que retirou pessoas da praça Princesa Isabel (centro de São Paulo) na manhã de segunda-feira (22).

"As ações foram precedidas por abordagens da Defesa Civil e das secretarias de Saúde, Direitos Humanos e Assistência Social. Todos os moradores em situação de rua foram informados das regras do decreto e da ação de zeladoria. Não houve registro de resistência e os agentes da GCM e da Subprefeitura da Sé cumpriram rigorosamente o decreto", diz a prefeitura, em nota.

O texto ainda afirma que "não foram recolhidos pertences pessoais nem cobertores" —relato diferente do obtido pela reportagem com ao menos dez moradores de rua e dois assistentes sociais."Apenas foram desmanchadas dezenas de barracos e de cafofos, que lotaram quatro caminhões", diz.

O decreto também instituiu um grupo de monitoramento das ações de zeladoria, com membros de diferentes secretarias da prefeitura.

Segundo o secretário de Segurança Urbana, Benedito Mariano, o grupo de monitoramento está se reunindo e cumprindo sua função. "Não tinha conhecimento de que objetos pessoais e pertences foram apreendidos", diz ele. "Se houve, tem que apurar."

"Passo sempre pela praça Princesa Isabel e, de 40 dias para cá, a situação de moradores de rua na região aumentou muito."

Mariano afirma que as ações de zeladoria vão aumentar gradativamente com o fim do tempo frio na cidade e o período de adaptação às novas regras estabelecidas pelo decreto, já que houve o aumento de barracas na cidade, conforme a Folha revelou na semana passada.

Ele reitera que a GCM (Guarda Civil Metropolitana) apenas presta apoio às ações de zeladoria e que ela "ficou estigmatizada e marcada por coisas que não fez".

RECUPERAÇÃO

Segundo Marcos Arbaitman, presidente da Fundação Cultural Exército Brasileiro, a formatura dos cadetes na praça Princesa Isabel nesta quinta (25) celebra também um trabalho de recuperação daquela área.

Ele diz que militares e a Porto Seguro, que mantém a praça, lavaram o espaço com caminhões de água do Exército, limparam as luminárias e recuperaram jardins.

A fundação pretende ainda restaurar a estátua de bronze de Duque de Caxias, construir banheiros públicos e erguer torres de iluminação.

"Está limpo, cheirando bem. E o Exército vai ficar lá pelo menos no primeiro mês cuidando da praça."

"Quem somos nós para botá-los para fora? Eles consideram ali a casa deles. Só queríamos afastá-los do espaço onde vai ser realizada a formatura", diz o general Hedel Fayad, que capitaneou a limpeza da praça Princesa Isabel.

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SAIBA MAIS

Desde 18.06, as regras para a retirada de moradores de rua e seus pertences de locais públicos em ações de zeladoria urbana ficaram mais claras. Isso, porém, não quer dizer que o decreto municipal publicado naquele dia passou a ser cumprido como o planejado pela gestão Fernando Haddad (PT).

Até aquela data, e em meio a um dos invernos mais rigorosos dos últimos anos, a Prefeitura de São Paulo era duramente criticada por retirar e apreender barracas, cobertores e objetos como colchões e papelões dos sem-teto.

Em junho, ao menos cinco pessoas que dormiam nas ruas morreram em dias de baixas temperaturas. Ao tentar justificar a ação das subprefeituras, responsáveis pela retirada dos pertences dos moradores, Haddad afirmou que tentava evitar a "favelização" das praças públicas.

Mas dois dias depois o petista recuou. "Me desculpo com as pessoas que eventualmente tenham levado a mal", afirmou na ocasião. Dois dias depois o decreto foi publicado no "Diário Oficial da Cidade".

O texto que segue valendo estabeleceu e reforçou regras para abordagem de moradores de rua. Entre outros pontos, fixou que itens como barracas (à noite), papelões e colchões não podem ser apreendidos.

Objetos que caracterizem "estabelecimento permanente em local público", no entanto, podem ser retirados durante o dia.

O problema é que a "lei do frio" causou receio e irritou servidores e GCMs —que passaram a temer possíveis punições administrativas às ações de zeladoria.

Desde então, barracas passaram a ocupar praças e calçadas no centro da cidade 24 horas por dia.

Colaborou EMILIO SANT'ANNA


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