Folha de S. Paulo


'Sibéria paulistana', bairro da zona sul tem sucesso de luvas, gorros e café

"Pegue seu bombojaco e sua touca, porque faz 10 graus em São Paulo", diz a introdução do rap "Da Ponte Pra Cá", dos Racionais MCs, grupo da zona sul da capital paulista.

Em agosto, 10,2°C tem sido a média de temperatura mínima na Capela do Socorro (zona sul), a mais fria das 28 estações de medição do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências), da prefeitura.

Ladeada por duas represas (Guarapiranga de um lado e Billings de outro), a área, formada pelos distritos Socorro, Cidade Dutra e Grajaú, também foi a mais gelada em junho (9,1°C) e julho (8,8°C).

E, como os empregos estão concentrados em bairros mais distantes, a rotina de quem vive por lá costuma começar muito cedo, no auge do frio, antes da luz do sol. Às 5h30 desta quarta-feira (24), quando a mínima na região foi de 12,4°C, o fluxo de passageiros já era intenso em um ponto de ônibus da avenida Vítor Manzini.

"Sinto muito frio nas orelhas", afirma Miguelzinha Conceição Santos, 50, para justificar o uso de duas toucas de lã. Auxiliar de limpeza em uma escola no Parque Cocaia e moradora do Jardim Angela, ela diz que se levanta às 3h40 para poder estar no trabalho às 6h. "Se ficar enrolando não saio da cama."

Na calçada da estação de trem, Maurício Lobo, 36, aproveita o clima para aumentar a renda de sua banquinha –vende tanto café como luvas e gorros de lã. "Normalmente trago 10 garrafas de café. Quando faz muito frio trago 20", afirma. Ele chega às 3h30 e, "se o rapa [fiscalização] não passar", fica até 9h. "Só ontem vendi 35 toucas. Na segunda, 40", diz ele, que acompanha a previsão do tempo com antecedência para planejar a produção.

ESCOLA

No CEU (Centro Educacional Unificado) Cidade Dutra, o frentista Carlos Alberto da Silva, 52, chega com o filho Daniel, 8, bem agasalhado e com uma touca de pelúcia que simula a cabeça de um husky siberiano —cão semelhante a um lobo, com origem na gelada Sibéria, no norte da Ásia.

"Ele já toma banho de noite para não sair na friagem na manhã seguinte, e dorme bem agasalhado para não ter problema para sair da cama. Já vem com a roupa por baixo do uniforme", diz Silva.

Em frente ao CEU, Euziane Barbosa, 38, lucra com a venda de salgados e bebidas quentes para pais e filhos. "No frio sai muito mais café, leite com chocolate, pão de queijo. Tudo o que é quente o pessoal quer mais", diz.

Uma das medidas adotadas pelas escolas para resguardar os pequenos, de acordo com o Centro de Educação Infantil Jardim Siomara, no Grajaú, é suspender as atividades externas das crianças, como o recreio no pátio, em dias com frio intenso.

Às margens da Billings, o cenário inusitado chama a atenção. Uma balsa é utilizada para fazer a travessia de automóveis e pedestres para a Ilha do Bororé. Entre os veículos, um ônibus, da linha 6L11, que leva os moradores da ilha ao terminal Grajaú.

"Aqui é frio direto, dentro de casa você não aguenta sem ter como ficar empacotado", afirma a dona de casa Cleonice de Melo Nascimento, que aguarda o ônibus no Bororé para atravessar pela balsa.

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A tranquilidade e a bucólica paisagem rural quase fazem esquecer que se está no município de São Paulo. Lucilene Lega, 55, pega a balsa todos os dias a pé para trabalhar na UBS (Unidade Básica de Saúde) do Bororé. "Mesmo quando é verão eu trago uma blusa, porque aqui na balsa é muito gelado", diz.

TRÉGUA

A recente onda de frio provocada por uma massa de ar polar dará agora uma trégua. Nesta quinta-feira (25), a máxima será de 27°C e, no final de semana, pode ser ainda mais quente durante o dia. As mínimas, no entanto, seguirão incomodando os madrugadores —até sábado, haverá temperaturas de 13°C.

As massas de ar polar costumam vir na sequência de frentes frias. Como o inverno perdura até meados de setembro, existe a expectativa de ao menos uma massa de ar polar com frio mais rigoroso ainda neste ano.


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