Folha de S. Paulo


Prédio abandonado em Porto Alegre é revitalizado e vira centro cultural

Lauro Rocha/Vila Flores/Divulgação
Pátio interno do Vila Flores, na região central de Porto Alegre, já em processo de revitalização Foto: Lauro Rocha/Vila Flores/Divulgacao
Pátio interno do Vila Flores, na regão central de Porto Alegre, já em processo de revitalização

Entre a construção e a reconstrução, muita coisa aconteceu com aqueles dois prédios históricos esquecidos no bairro Floresta, região central de Porto Alegre, antes de se tornarem pontos de referência cultural da capital gaúcha.

Quem vai hoje ao Vila Flores, projeto selecionado para a mostra brasileira da Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano, encontra 22 iniciativas de arquitetura, artes visuais, moda, música e educação, além de produção cultural e laboratório de tecnologia.

Mas nem sempre foi assim. A história dos edifícios, erguidos em 1928, confunde-se com a da própria região, conhecida como 4º Distrito: no começo do século passado, época de grande crescimento da cidade, foi uma zona industrial, mas começou a se degradar a partir dos anos 70.

As ruas se tornaram pontos de prostituição e tráfico de drogas, os prédios viraram cortiços e chegaram a ser interditados pela Defesa Civil sob risco de desabamento.

A virada aconteceu após o arquiteto João Felipe Wallig, junto da irmã, Antonia, receber os prédios como herança da família, em 2009.

Ele conta que não queria simplesmente demoli-los e ignorar a história do local. Por isso, foi atrás de moradores da região para entender as necessidades do bairro.

Um grupo de arquitetos de São Paulo do qual Wallig faz parte, a Goma Oficina, elaborou então um projeto preliminar de revitalização, que envolvia abrir os prédios à comunidade com oficinas e programação cultural, conta Maria Claudia Levy, uma das idealizadoras.

A resposta foi tão positiva, ela diz, que resolveram entrar de cabeça. Orçaram uma proposta em R$ 5 milhões para revitalizar todo o espaço e trabalham nisso desde então.

REFORMAS

Em 2011, os telhados foram reformados e os prédios, abertos para moradores do bairro. Em 2012, começaram os eventos culturais, como mostras, exposições e festas.

"A comunidade tem muito apreço pelo projeto e veio se apropriando aos poucos do local", conta Wallig. Foi em 2014 que os apartamentos começaram a ser ocupados por iniciativas de educação, arte e empreendedorismo.

Uma delas é um grupo de estudos de alunos de arquitetura da PUC. "Iniciativas como essa tiram esse papel de passividade a que estamos tão acostumados, esperando que o governo dê todas as respostas", diz a professora e coordenadora do grupo, Cibele Vieira Figueira.

Outra iniciativa que o edifícios abriga é a ONG Mulher em Construção, que capacita mulheres para trabalharem na área da construção civil.

"A partir do Vila Flores, começou um movimento de ocupação na cidade", diz Bia Kern, uma das fundadoras da ONG. Em troca do espaço, as integrantes realizam uma série de reformas nos prédios, de fixação de azulejos a restauros hidráulicos e elétricos.

Essas contrapartidas, aliás, são comuns nos acordos firmados com os residentes, segundo Aline Bueno, que faz parte da Associação Cultural Vila Flores, grupo criado para gerir o espaço.

Eles se reúnem semanalmente para discutir questões que vão da programação cultural à manutenção –segundo Bueno, não existem relações hierárquicas. "É um laboratório em que praticamos o que gostaríamos que o mundo fosse, com colaboração, respeito, comércio justo."

A professora Cibele Figueira define o Vila Flores como "placemaking", tendência urbanística de pensar planejamento e gestão de espaços voltados para pessoas. "Assim, começamos a acreditar no poder da apropriação da própria comunidade", diz.

Dos R$ 5 milhões previstos, a família dona dos imóveis estima ter gastado 20%, ainda que falte uma série de obras –um dos prédios, ocupado apenas no térreo, ainda precisa ser reformado.


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