"É um caso surreal." Foi assim, com assombro, que a Promotoria se manifestou sobre uma história que até hoje gera desconforto na pacata Cássia dos Coqueiros (SP). Em 2011, o então prefeito da cidade, Antônio Carlos da Silva, 50, conhecido como Nenê Irmão do João da Caixa, decidiu abrir um concurso público para o cargo de advogado do município (distante a 304 km da capital paulista).
Contratou uma empresa, designou uma comissão organizadora e oficializou o exame. Dias depois, seu nome estava entre os inscritos. Formado em direito, o prefeito fez a prova e se saiu bem: classificou-se em terceiro lugar. Como o primeiro e o segundo aprovados desistiram da vaga, Nenê foi convocado.
Em 9 de novembro de 2011, foi nomeado advogado de Cássia dos Coqueiros pelo vice, mas se afastou em seguida para concluir o mandato. Em 2012, o político eleito pelo PSDB tentou a reeleição. Acabou derrotado nas urnas por Rosa Maria da Silva (PTB) por apenas 36 votos –a cidade possui 2.623 habitantes.
No primeiro dia de 2013, Rosa assumiu a prefeitura; já Nenê, seu adversário, o cargo de advogado da cidade. O caso foi levado ao Ministério Público e uma ação civil pública foi aberta contra o ex-prefeito.
"O réu Antônio Carlos feriu de morte os princípios constitucionais da moralidade, igualdade e impessoalidade", afirmou o órgão. Segundo a Promotoria, Nenê demonstrou "absoluto desprezo e menoscabo pelas instituições democráticas".
Ele não concorda com isso. "O Tribunal de Contas cobrou que nós abríssemos vários cargos, e nós abrimos. Vi que tinha vaga para procurador e me inscrevi. Eu não sabia nada sobre a prova. Fiz, fui chamado e compareci, como acontece com qualquer cargo. Só isso. Não tem nada demais", diz o ex-prefeito.
Em sua defesa, ele afirmou que "a Constituição determina que todos são iguais perante a lei, bem como que os cargos públicos são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos legais".
Rosa, a atual prefeita, não gostou de ter como advogado o rival, em quem diz não confiar. Por isso, abriu licitação e contratou outra profissional. "Eu o cumprimento, mas não temos contato. Ele não fica na prefeitura", conta ela.
O mal-estar é tão grande que Nenê trabalha hoje numa sala na Secretária de Saúde. A advogada contratada, Rita Vieira Furquim, diz que os pedidos encaminhados ao ex-prefeito são analisados com cautela. "Sei o que ele vai usar politicamente", diz.
O Tribunal de Contas do Estado também julgou o caso e considerou ilegal a admissão de Nenê. Desde o mês passado, ele não tem mais como recorrer da decisão do órgão fiscalizador. Na Justiça, porém, a ação ainda tramita.
Embora tenha perdido em primeira e segunda instâncias, ele possui uma liminar que o garante no cargo até que saia a decisão definitiva. "Enquanto eu puder me defender e tiver meio legais, vou agir. A Justiça não provou nada de irregular. Para me condenar, precisa provar alguma coisa contra mim."
Enquanto não há decisão da Justiça, Nenê mantém o segundo maior salário da prefeitura, de quase R$ 4.000, fica atrás apenas da prefeita.