Folha de S. Paulo


Moradores reocupam vilarejo em MG destruído por lama com procissões

A secretária Suely Sobreira, 48, vivia em Ouro Preto (MG), mas sempre disse que ao morrer queria ser enterrada no túmulo da família em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana, cidade vizinha.

Não resistiu a uma doença renal e seu desejo foi atendido pelos parentes nove meses depois do rompimento da barragem da Samarco.

Foi o primeiro enterro em Bento desde a ruptura do reservatório, e teve autorização da Defesa Civil para acontecer. Feito no dia 28, com cortejo e missa de corpo presente, também foi o pontapé para os antigos moradores começarem a fazer celebrações no povoado destruído.

No último sábado (30), decidiram comemorar a festa do padroeiro São Bento no local sem pedir autorização prévia. Entraram, fizeram uma procissão, soltaram fogos de artifício e hastearam uma bandeira do santo protetor.

"Nós fomos por conta e risco. Desde 2009, sou o encarregado dos fogos de artifício da festa e esse ano não podia ser diferente", diz o mecânico Mauro Marcos da Silva, 47.

Segundo ele, a ideia foi gestada "em segredo", mas a história se espalhou e "tomou uma proporção inesperada". O mecânico calcula 58 pessoas presentes na celebração.

Na terça-feira (2), houve a missa de sétimo dia de Suely, também em Bento, desta vez com aval da prefeitura. De acordo com Antônio Pereira, membro da comissão de moradores do subdistrito, a única restrição da Defesa Civil foi que evitassem lugares onde ainda há atoleiros de lama, para que não acontecessem acidentes.

O corpo de Suely foi enterrado no cemitério da igreja Nossa Senhora das Mercês, a mais preservada do local. A capela de São Bento, a principal, datada do século 18, teve suas estruturas quase completamente destruídas.

Agora, os moradores solicitam à Justiça autorização para comemorarem a festa de Nossa Senhora de Mercês no vilarejo, em setembro.

REVITALIZAÇÃO

Os grupos que fizeram as celebrações em Bento Rodrigues querem que a área seja revitalizada e se torne uma espécie de "memorial" da tragédia, que deixou 19 mortos.

Já a Samarco pede aos órgãos ambientais para alagar a parte do terreno em que não há mais casas, mas enfrenta resistência dos antigos moradores, sobretudo dos que ainda são proprietários de alguns terrenos na área.

"Bento Rodrigues tem que ser preservado, mesmo destruído. Vamos lutar para isso. Aquilo é a minha vida, é onde eu nasci e cresci", diz Mauro da Silva, que soltou os fogos de artifício na festa. Alex Sandro Sobreira, 27, filho de Suely, concorda: "Aquele lugar é importante para muita gente", afirma.

Bento Rodrigues está em processo de tombamento pelo Conselho do Patrimônio Cultural de Mariana, que também defende a preservação do antigo povoado.

Procurada, a Samarco diz que a revitalização de Bento Rodrigues vem sendo discutida pela empresa, juntamente com a comunidade local, Prefeitura de Mariana e Ministério Público, mas que "ainda não há nenhuma decisão sobre o tema". A empresa irá construir uma nova vila para os antigos moradores.

TRAGÉDIA

O rompimento da barragem da Samarco, cujas donas são a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, matou 19 pessoas em novembro do ano passado e destruiu, além de Bento Rodrigues, outros povoados da região de Mariana.

A lama correu pelo rio Doce até o litoral do Espírito Santo, causando estragos e desabastecimento em municípios de pequeno e médio porte, como Governador Valadares (MG) e Colatina (ES).

O Caminho da Lama


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