Folha de S. Paulo


Samarco estuda reativar área de barragem de tragédia em Mariana

A Samarco estuda a reutilização do Vale do Fundão –área de Mariana (MG) onde uma barragem se rompeu em novembro como reservatório de rejeitos de minério.

A alternativa foi apresentada pela empresa em um estudo de impacto ambiental elaborado em junho, sete meses depois da tragédia que deixou 19 mortos e um rastro de destruição até a região litorânea do Espírito Santo.

O documento da mineradora foi enviado a órgãos públicos e obtido pela Folha. Ele pede a análise prévia de um retorno das operações em Mariana, suspensas depois do rompimento da barragem.

Como Fundão foi avariada, a mineradora, cujas donas são a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, propõe usar por dois anos a cava (buraco aberto após a escavação de minerais) da mina de Alegria Sul para despejar os rejeitos –e que ficaria cheia ao fim desse período.

O texto aponta que, depois disso, outras cavas poderiam ser utilizadas ou a Samarco faria uma "transição para barragem com conceito construtivo diferenciado".

"Neste horizonte será considerada a barragem de Mirandinha e utilização potencial do Vale do Fundão, após conclusão dos trabalhos emergenciais e análises técnicas das causas do incidente", diz trecho do estudo.

O documento ressalta que a mineradora não pode utilizar a infraestrutura de Fundão e da vizinha Santarém "temporariamente".

Procurada, a Samarco não nega a possibilidade. Segundo a companhia, "possíveis utilizações futuras da área de Fundão demandarão, além da compreensão das causas do acidente, estudos de viabilidade". "Caso se mostrem viáveis, tais estudos serão submetidos aos órgãos ambientais", diz, em nota.

A TRAGÉDIA - Barragem em Mariana (MG) se rompeu no dia 5 de novembro de 2015

POVOADO

A barragem de Fundão ruiu no dia 5 de novembro, provocando um "tsunami de lama" que afetou a fauna, a flora e a água ao longo do rio Doce. Abaixo da estrutura estão as ruínas do povoado histórico de Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana soterrado pelo "tsunami" de lama de rejeitos. O local está em processo de tombamento como patrimônio cultural da cidade.

A Samarco foi questionada, mas não explicou o que seria uma barragem com "conceito construtivo diferenciado". A mineradora também não informou se tem planos de uso para a área de Bento Rodrigues. Atualmente, ela tenta obter autorização para construir um dique e alagar uma parte do local.

O estudo de impacto ambiental faz parte do processo necessário para a Samarco obter licença para operar e é analisado por órgãos ambientais.

APÓS SEIS ANOS

O documento protocolado pela Samarco ainda discute aquilo que pode ser feito da área do Vale do Fundão seis anos depois do reinício das atividades. Duas possibilidades são apontadas.

Uma delas seria aterrar e fazer "a utilização total da área já impactada através da disposição de rejeito de flotação (técnica de separação de minerais)". Outra é seu uso para depósito de estéril (material que envolve minério e que é desprezado). Segundo a Samarco, atualmente são feitas "obras emergenciais em aterro compactado para a contenção dos sedimentos remanescentes".

Um relatório do Ibama apontou que, a menos de três meses do período chuvoso, a mineradora fez só metade das obras de contenção necessárias para que a lama que vazou de Fundão não volte a poluir a área do rio Doce. E, das ações realizadas, 40% são insatisfatórias ou ruins, na avaliação do órgão ambiental.

A Samarco diz cumprir "os prazos definidos no acordo assinado pelos seus acionistas com os governos federal, de Minas e do Espírito Santo".

EMPRESA TERÁ DE RETIRAR REJEITOS

Se conseguir licença para voltar a operar em Mariana e despejar os rejeitos por dois anos na cava de Alegria Sul, a Samarco terá que retirá-los depois. No entanto, a mineradora ainda não sabe qual será esse destino.

No estudo apresentado a órgãos de Minas para voltar a operar na região da tragédia de novembro, a empresa diz que a retirada será "através de dragagem hidráulica e destinado a uma estrutura futura de contenção de rejeitos ainda em fase de estudos". A empresa terá que fazer esse trabalho de retirada porque a cava de Alegria Sul não foi completamente explorada e tem reservas abaixo dos 1.000 metros.

A previsão é que em quatro anos todo o material tenha sido transferido para outro lugar. Para isso, a Samarco afirma que a remoção será "desenvolvida por empresa contratada nos mesmos moldes aplicados para a retirada do material da hidrelétrica Risoleta Neves ou Candonga".

Candonga é uma usina que fica a 100 km do local onde a barragem de Fundão se rompeu. A hidrelétrica reteve parte da lama que vazou do reservatório. Desde junho, a Samarco tem removido essa lama para evitar que, com o período chuvoso, a usina fique suscetível a um outro rompimento. O trabalho só será encerrado em 2017.

"Deverão ser mobilizados dois equipamentos similares ao modelo utilizado como referência e também considerada a mobilização de mais um equipamento como reserva de operação", diz o estudo. No entanto, segundo técnicos, se a Samarco fizer a retirada de forma similar à que tem feito em Candonga, terminará completamente em no mínimo 11 anos. Na pior das hipóteses, em 18 anos.

Em divulgações publicadas na internet, a empresa diz que tem retirado 5.000 metros cúbicos de rejeitos da usina diariamente –relatório do Ibama afirma que a quantidade é menor.

Para esvaziar a cava de Alegria Sul em quatro anos, teriam que ser dragados 14.475 metros cúbicos por dia. Procurada, a Samarco diz que a comparação com a dragagem de Candonga é "conceitual" e não em termos de volume diário retirado.

O estudo entregue pela Samarco aponta possíveis utilizações para os rejeitos de minério e diz que uma delas é o uso comercial em produção de tijolos e blocos. Ainda aponta a possibilidade de a lama ser usada na produção de pigmentos da cor vermelha.

Mas a mineradora diz que esse uso só teria viabilidade "para um volume reduzido em relação à geração total de rejeitos da Samarco". O aproveitamento, afirma, seria de 3% a 5%.

O Caminho da Lama


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