Folha de S. Paulo


Mudança da Ceagesp deve exigir transformação na zona norte de SP

Com um consumo de água de quatro shoppings Ibirapuera, um tráfego de 12 mil veículos e 50 mil pessoas por dia, a Ceagesp exigirá uma transformação estrutural em Perus, na zona norte de São Paulo, caso avance a proposta de remanejamento do maior entreposto da América Latina para essa região.

O bairro periférico se tornou foco das atenções após a gestão Fernando Haddad (PT) se unir a um grupo de comerciantes para defender a saída do entreposto de alimentos da Vila Leopoldina (zona oeste) e a sua realocação em um terreno de Perus, a mais de 20 km do centro.

Inicialmente rejeitada pela nova direção da Ceagesp, a ideia acabou recebendo aval de Blairo Maggi, ministro da Agricultura do governo Temer (PMDB), e a prefeitura discute dar benefícios à União, responsável pela companhia, caso a mudança ocorra em até cinco anos.

A implantação do novo empreendimento, porém, enfrentará gargalos urbanísticos ligados tanto ao sistema de abastecimento como à infraestrutura viária de Perus, que tem população próxima de 80 mil habitantes.

Os terrenos adquiridos pelo Nesp (Novo Entreposto de São Paulo), que reúne os produtores favoráveis à mudança, estão divididos ao meio pela rodovia dos Bandeirantes –com um pedágio adiante. Será preciso uma via de acesso para interligá-los.

Além disso, embora a proximidade rodoviária seja um facilitador, serão necessárias intervenções na malha viária local, estreita e com a presença de residências e comércios.

Outro entrave deverá ser redimensionar a atual estrutura de saneamento local. A região não tem tubulações e reservatórios suficientes para a demanda extra de 40 milhões de litros mensais de água-volume destinado atualmente pela Sabesp ao espaço na Vila Leopoldina.

Os defensores do remanejamento, no entanto, avaliam ser possível contornar esses e outros obstáculos com investimentos de R$ 5 bilhões -que dependeriam, porém, de recursos dos próprios comerciantes e produtores. A Arena Corinthians, por exemplo, custou R$ 1,6 bilhão.

"A ideia é que haja uma oferta diária 50% maior [de produtos e valores negociados] do que está hoje [na Vila Leopoldina]", afirma João Crestana, porta-voz do Nesp.

O grupo de permissionários que se opõe à ideia dize temer pelos gastos com uma "aventura". "Estou aqui há 16 anos, já devo ter investido R$ 2 milhões com reformas e ponto comercial. Vou ter que sair e ainda investir em outro local?", questiona Eduardo Innocente, permissionário que diz exigir uma indenização para sair da Vila Leopoldina.

O urbanista Renato Cymbalista, da USP, considera que a mudança da Ceagesp para qualquer outro ponto da cidade naturalmente traz impactos na infraestrutura. Mas, para ele, a proximidade com a rodovia dos Bandeirantes, Anhanguera e Rodoanel são um trunfo do novo endereço.

Antonio Carlos Sant'Anna, professor do Mackenzie em urbanismo, diz que uma mudança do tipo precisa ser acompanhada de atenção do Estado em diversos setores.

"É necessário que se considere quantos empregos serão gerados e se há necessidade de criação de habitação popular, como CDHU, para viabilizar essa mão-de-obra ou se há capacidade de locomoção de transporte de massa ao local", afirma.

Decio Zylbersztajn, engenheiro agrônomo e professor do departamento de administração da USP, avalia que a tecnologia existente no agronegócio pode levar ao enfraquecimento do atual modelo da Ceagesp. "Por um sistema informatizado, o produto não precisaria vir até São Paulo, iria direto para o seu comprador", defende ele.

Ceagesp em Perus

ANTIGO ENDEREÇO

Para os urbanistas ouvidos pela Folha, a saída do Ceagesp da Vila Leopoldina abriria um enorme potencial para a cidade de São Paulo. "Seria ótimo a construção de um bairro de uso misto, com diferentes camadas sociais, que não fique refém do mercado imobiliário", disse Sant'Anna.

Cymbalista tem a mesma visão sobre a área remanescente. "Não pode acontecer uma nova Barra Funda, onde os galpões deram lugar apenas para condomínios de alto padrão. Enquanto, a gente não tiver um bom plano para a Vila Leopoldina, acho que o Ceagesp não tem que sair de onde está".

TEMORES DE PERUS

Em Perus, na zona norte de São Paulo, muitos moradores temem que o entreposto traga poluição e trânsito para uma região considerada tranquila e com muitas áreas verdes. "Perus é bem calmo, com vários parques. De repente vai chegar um monte de caminhão, com poluição e barulho, e transformar tudo aqui", afirma Gerson Marques, 27.

Ele trabalha na administração da Escola Estadual Brigadeiro Gavião Peixoto, que fica ao lado do terreno do Nesp. Mesmo assim, Marques não sabia do projeto. Sua colega, a funcionária Josiane Teixeira, 35, tampouco. Ela se preocupa com o impacto do entreposto no bairro onde mora e trabalha."Perus já tem muito trânsito, imagina com caminhões", diz.

Apesar disso, a funcionária reconhece que faltam empregos no distrito, que tem um dos IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixos da cidade. "A maioria das pessoas aqui trabalha no centro. Se tivesse mais emprego, seria bom."

A opinião é compartilhada por Simone Rocha, 39, moradora de Vila Caiuba, um bairro de vielas e casas sem reboco. Da sua janela, Simone tem a vista do terreno do Nesp. "Não sei se é bom, esses lugares são muito sujos, com caminhão", diz ela, que já tinha ouvido falar do projeto.

Assim como outros moradores do bairro, Simone usa o terreno como área de lazer. "Fazemos piqueniques, as crianças andam de bicicleta. Ali você só escuta passarinhos", diz.

Para Alex Castilho, 38, o entreposto só traria benefícios. "Ninguém usa aquela área para lazer, porque os funcionários logo te acham e te tiram de lá", diz ele, que mora e trabalha na região. "Perus é uma cidade-dormitório. Meus parentes trabalham em Jundiaí, porque nem em São Paulo acharam emprego. A Ceagesp mudaria isso."

Segundo a prefeitura, que ficaria com 40% do terreno, o novo entreposto pode levar 30 mil vagas de trabalho para a região. A administração prevê ainda áreas de proteção ambiental, além de escolas, creches e parques.


Endereço da página:

Links no texto: