Folha de S. Paulo


Gestão Alckmin planeja acesso à Sala São Paulo 'sem cracolândia'

Fabio Braga/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 12-07-2016: Entrada da Sala Sao Paulo. Devido aos problemas de seguranca na regiao central, sera construido um corredor que saira da estacao da Luz e dara passagem ate a Sala Sao Paulo. (Foto: Fabio Braga/Folhapress, COTIDIANO)***EXCLUSIVO***.
Entrada da sala São Paulo, região central da capital paulista; governo planeja passarela subterrânea

Quem caminha entre a Sala São Paulo, espaço de concertos elogiado mundo afora, e a tradicional estação da Luz pode ver uma das mais belas vistas arquitetônicas da cidade. Mas não só isso. Moradores de rua, usuários de drogas e um forte cheiro de urina também compõem a paisagem.

Se a recuperação desse entorno degradado do centro de São Paulo ainda parece muito distante, a rota entre esses dois bens tombados pelo patrimônio histórico poderá ganhar uma opção isolada nesse cenário urbano –que é rodeado pela cracolândia.

A CPTM, companhia de trens gerenciada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB), planeja construir uma ligação para pedestres entre eles. O estudo foi aprovado pelo Condephaat, órgão estadual de patrimônio, no dia 6 de junho.

O caminho teria cerca de 250 metros, passaria por dentro da estação, acompanharia os trilhos e sairia no estacionamento da Sala São Paulo.

A medida beneficia os usuários do complexo Júlio Prestes, que inclui a Sala São Paulo, a Secretaria de Estado da Cultura e a Fundação Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo).

Para a CPTM, a ligação dá mais um acesso aos equipamentos públicos. A pasta da Cultura diz que a proposta pode beneficiar usuários do metrô e impactar positivamente no trânsito, "estimulando" a utilização do transporte público "para acesso à Sala São Paulo e outros equipamentos culturais no entorno".

TRINCHEIRA

Urbanistas consultados pela Folha temem que a proposta seja um privilégio aos usuários do complexo Júlio Prestes em detrimento da segurança nas vias públicas.

Para Silvio Oksman, arquiteto e conselheiro do Condephaat que teve acesso ao estudo preliminar, a proposta foi aprovada por não interferir com os bens tombados, mas é muito negativa do ponto de vista urbanístico.

"Esse projeto é inadmissível, não é democrático. O lugar de circulação das pessoas é a rua. Ao invés de fazer uma passarela separada, para poucos, seria melhor qualificar o passeio público", diz.

Ele avalia que o novo caminho pode aumentar a insegurança no local, ao diminuir o fluxo de pedestres nas vias.

O arquiteto e urbanista Kazuo Nakano, professor de Desenvolvimento Urbano da FGV Direito, concorda. "É uma declaração de fracasso do Estado. Está criando uma trincheira para os usuários chiques da Sala São Paulo ficarem protegidos das ameaças da rua", afirma.

Ligação Luz - Sala São Paulo

Outros arquitetos dizem que a ideia pode ser benéfica, contanto que seja integrada ao entorno, em um projeto urbanístico completo.

"Se a ligação for totalmente isolada, não é válida, porque não dá para usar a arquitetura para tentar solucionar a violência urbana", defende o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, Gilberto Belleza.

Para o arquiteto João Martinez Corrêa, é preciso encontrar uma forma de conciliar os interesses. "A sala está ali para ser usada, quantas pessoas deixam de frequentar o local porque se sentem inseguras? Então sou favorável ao projeto desde que ele seja adequado e democrático, para não criar separações."

Segundo a CPTM, ainda não há prazo para a execução ou estimativa de custo. A empresa diz que ainda não está definido se o caminho será ao ar livre, com alguma cobertura ou separação dos trilhos.

A proposta ainda passará pelo Iphan e pelo Conpresp, responsáveis pelo patrimônio na esfera federal e municipal, respectivamente. Caso seja dado o aval, a CPTM poderá, então, encomendar os projetos básico e executivo.

MEDO DE ASSALTOS

Aurea Diovana, 17, é uma espectadora assídua da Sala São Paulo. Ela estuda em uma escola de música do Estado, a Tom Jobim, a cerca de 200 metros da sala de espetáculos, e costuma voltar de metrô após as aulas e concertos.

No trajeto, durante a noite, ela já sofreu uma tentativa de assalto e foi agredida. "Na saída do concerto, levei um tapa no rosto, sem ter feito nada. Passei por um cara, bem doido, e ele fez isso. Outra vez, um homem me falou para passar o celular, mas consegui sair andando", diz.

A bancária Sônia Andrade, 48, também tem medo. Ela prefere ir de carro até o local. "É muito bonito aqui, adoro ir aos concertos, mas infelizmente é arriscado."

Fátima Vogt, 47, acompanha as apresentações do filho, que é músico. Moradora da zona leste, a empresária vai de metrô até uma estação central e pega um táxi. "Se tivesse uma forma segura de ir direto até a estação da Luz seria maravilhoso", afirma.

Os funcionários do complexo Júlio Prestes dizem que os roubos são comuns por ali, mesmo durante o dia e com a presença da Polícia Militar e da guarda municipal. Durante a noite, o risco é ainda maior. A Secretaria de Cultura oferece uma van para seus funcionários até a estação.

A delegacia que atende a região registrou 1.791 roubos entre janeiro e maio. Para efeito de comparação, na de Pinheiros (zona oeste) foram 880 no mesmo período.

A Secretaria Municipal de Segurança Urbana afirma que a insegurança é resultado do "abandono do local pela Polícia Militar". A pasta diz que mantém 250 guardas durante o dia e 100 de noite na região da Luz e que "irá intensificar de imediato o patrulhamento nas proximidades".

A secretaria promete abrir, entre agosto e setembro, uma unidade da GCM com 300 guardas, chamada de Inspetoria de Redução de Danos.

A Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo afirma que a Polícia Militar faz rondas preventivas na área da Luz e mantém uma base móvel 24 horas por dia no local. A pasta diz que prendeu 280 pessoas nos primeiros cinco meses do ano na região da Luz.


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