Folha de S. Paulo


Castelinho no centro de SP voltará a ser aberto após 4 décadas de abandono

Após quatro décadas de abandono e de uma fama para lá de ruim que se arrasta há quase 80 anos, o castelo localizado na esquina da avenida São João com a rua Apa, no centro de São Paulo, está prestes a ser reaberto.

Ali, na noite de 12 de maio de 1937, após uma discussão por causa dos negócios da família, o empresário Álvaro César dos Reis, então com 45 anos, foi encontrado morto ao lado do irmão Armando, 42, e da mãe, Maria Cândida, 73. À época considerado um playboy, Álvaro foi apontado como o autor dos crimes que logo depois se suicidou.

Desde então, o Castelinho da rua Apa –como se popularizou– passou para as mãos do governo federal, foi disputado por herdeiros, abandonado, invadido, virou ferro-velho, sede de uma ONG e acumulou uma série de histórias sobrenaturais ligadas ao crime dos Reis. Nesse meio tempo, ficou em ruínas nos anos 70 e, na década de 80, foi invadido por moradores de rua.

Agora, após longa espera por uma reforma e ter virado parte do cenário de degradação urbana de São Paulo, o prédio em estilo eclético e elementos medievais se prepara para voltar a ser habitável. Em outubro, o Castelinho deverá ser reaberto.

Construído entre 1912 e 1917, o prédio foi tombado pelo Conpresp (órgãos de preservação municipal). Desde março de 1997, o espaço foi cedido ao Clube de Mães do Brasil, organização não governamental dirigido por Maria Eulina Reis Silva Hilsenbeck, ex-moradora de rua que dedicou a vida a essa população.

"Tudo nessa casa é um mistério", afirma Claudineia Viana, 40, uma das administradoras da ONG, referindo-se à mais recente carta psicografada que "esclarece" os crimes ali cometidos.

Ao custo de R$ 2,8 milhões, o restauro foi bancado com verbas do FID (Fundo Estadual de Interesses Difusos), que tem o objetivo de financiar projetos destinados ao ressarcimento à sociedade de danos causados, entre outros, ao meio ambiente e a bens artísticos, estéticos, históricos e turísticos.

Ao Clube de Mães caberá contrapartida de cerca de R$ 200 mil –que serão pagos em serviços. A ONG trabalha com moradores de rua e pessoas em situação de vulnerabilidade. "A ideia é promover no Castelinho oficinas de confecção com material reciclável e aulas de culinária para crianças de escolas públicas", conta Claudineia.

RESTAURO

Nos cerca de 300 metros quadrados da construção, o que os técnicos de uma empresa de restauro encontraram foi pouco mais do que apenas "a casca de uma casa". No Castelinho já não havia telhado e assoalho em muitos dos cômodos. Dos ladrilhos hidráulicos e batentes, poucas peças restaram.

Mesmo assim, a partir de fotos da época e do que encontraram na casa, os restauradores refizeram tudo de acordo com o projeto original, afirma Ronald Lofredo Júnior, 33, engenheiro responsável pela obra. Piso e ornamentos internos devem voltar a ser do jeito que a família Reis planejou ainda na década de 1910.

Durante o restauro, algumas características curiosas vieram à tona. A torre do Castelinho, por exemplo, aponta o engenheiro, foi projetada para ficar de frente para rua Apa. "Com a mudança no curso da São João, eles resolveram mudar a frente para a avenida depois que ela começou a ser erguida", afirma.

No canteiro de obras em que se transformou o local, não é raro um funcionário lembrar os visitantes onde estão pisando. "Tem umas coisas estranhas que o povo ouve por aqui à noite, mas como eu não tenho coragem de ficar até esse horário, não me pergunte o que é", diverte-se um dos pedreiros.


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