Folha de S. Paulo


Dique da Samarco ameaça alagar muro histórico e vira ponto de discórdia

Com o argumento de evitar que mais lama caia nos afluentes do rio Doce durante o período chuvoso, que começa em outubro, a Samarco quer levantar um dique que alagaria parte do terreno onde ficava o povoado de Bento Rodrigues, em Mariana (MG).

A mineradora afirma que a obra é urgente e não prejudicará estruturas históricas nem encobrirá as casas que ainda estão de pé. Já o Ministério Público de Minas Gerais e o Conselho de Patrimônio Cultural de Mariana dizem que o impacto no local pode ser irrecuperável.

Um outro elemento da discórdia é que a área ainda tem propriedades particulares, cuja compra a mineradora tenta negociar com antigos moradores –mas parte deles não quer vender o terreno.

Bento Rodrigues foi soterrado em 5 de novembro, quando a barragem de Fundão, da Samarco, se rompeu, matou 19 pessoas e deixou um rastro de destruição que chegou ao litoral do Espírito Santo.

O dique, chamado S4, seria a última de quatro estruturas provisórias que a Samarco, cujas donas são a Vale e a BHP Billiton, planejou para "filtrar" a água que passa pelos terrenos próximos.

Atualmente, apenas um dos diques (o S3) funciona e pode não ser capaz de suportar as chuvas previstas para começar em outubro. Com o S4, a empresa acredita que teria tempo de construir estruturas de contenção definitivas e evitar mais poluição.

Porém as modificações causadas pelo alagamento preocupam os órgãos fiscalizadores, que ainda não autorizaram a empresa a realizá-lo.

MURO

Além de inundar parte do terreno de Bento, o dique encobriria um muro de pedra do século 18. A Samarco propôs fazer o que chama de "envelopamento" do muro: cobriria o local e ele com concreto para que não seja afetado pelo alagamento. Anos depois, o lugar poderia ser escavado e o muro, recuperado.

A proposta foi encaminhada ao Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que tem até o dia 20 para tomar uma decisão. Outro problema apontado pelos órgãos é que a empresa não apresentou alternativas de possíveis obras para conter o avanço da lama além do dique S4 –a Samarco chegou a ser notificada pelo Ibama por causa disso.

A mineradora propôs apenas possibilidades já descartadas: por exemplo, afirmava que construir um dique em ponto mais distante de Bento seria impossível por causa da maior quantidade de água do rio, que exigiria obra mais complexa e demorada.

EFICÁCIA

Os órgãos ambientais ainda questionam a eficácia do dique. Para a Semad (Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais), ainda "existem dúvidas se a construção do dique vai realmente cumprir o papel para o qual está proposto pela empresa".

A secretaria notificou a mineradora para apresentar, até terça (12), aprovação do Iphan, dos proprietários e do conselho de Patrimônio Cultural de Mariana, já que, segundo a pasta, "a construção está prevista em uma área que não pertence à mineradora e a obra pode representar um risco à população alheia e ao patrimônio cultural".

Já o Ibama diz que, se o dique começar a ser feito, não pode ser considerado "a solução do problema" e deve ser construído junto a outras obras que sanariam definitivamente o problema da poluição dos rios.

IMPACTO

"Essa obra pode evitar em definitivo a reconstrução do arraial [distrito de Bento Rodrigues]", diz o promotor Marcos Paulo Miranda, do Ministério Público de Minas Gerais. Bento nasceu como um arraial. Com o alagamento após a criação desse dique, parte do cenário seria modificado.

O promotor defende que a Samarco apresente opções viáveis de retirada da lama, em vez de inundar o terreno. Para ele, a Samarco "fabricou" a urgência de fazer o dique ao não apresentar desde o começo do ano outros meios possíveis de evitar a poluição, já que a proposta do S4 estava suspensa desde fevereiro.

A presidente do Conselho de Patrimônio Cultural de Mariana, Ana Cristina de Souza Maia, diz que a obra "vai reimpactar a comunidade, que já foi impactada com o rompimento". "Vão modificar novamente o que restou da paisagem, e como vai ficar a memória daquelas pessoas?", questiona.

O conselho é um dos responsáveis pelo tombamento da antiga Bento Rodrigues, um processo que ainda está em curso. No local, é feito um inventário do que sobrou no povoado histórico.

A mineradora diz que estudou as alternativas para conter a lama no período chuvoso, mas que não encontrou outra possibilidade além do dique. Também afirma que recebeu a notificação da Semad e apresentará as respostas.

O Caminho da Lama


Endereço da página:

Links no texto: