Folha de S. Paulo


Riviera ganha aval e desmata trecho final de condomínio no litoral de SP

Com o objetivo de ampliar o loteamento e concluir o projeto desenhado nos anos 1970, os empreendedores da Riviera de São Lourenço, no litoral paulista, estão desmantando um pedaço de mata atlântica, na beira da praia, equivalente a 44 campos de futebol. Tudo legalizado, com aval do Ministério Público Estadual na Baixada Santista.

O acordo feito no ano passado destravou um imbróglio jurídico que se arrastava desde 2011, quando a Promotoria congelou as licenças ambientais que os donos do bairro de Bertioga (a 103 km da capital) obtiveram em 2005.

Naquele ano, querendo terminar o empreendimento iniciado em 1980, quando a rodovia Rio-Santos nem asfalto tinha, os representantes da construtora Sobloco, autora do megaprojeto, bateram à porta da Secretaria Estadual de Meio Ambiente.

O aval para o desmatamento atingia uma área total de 2 milhões de metros quadrados, entre vegetação de restinga e mata atlântica, dos quais ainda restavam 15% para serem derrubados (ou cerca de 300 mil metros quadrados).

Quando a implantação do processo estava quase no fim, houve o embargo. Na prática, tudo ficou congelado –inclusive dezenas de casas de alto padrão quase prontas.

Dos 300 lotes de aproximadamente 800 metros quadrados que haviam sido vendidos na época, um terço acabou sendo devolvido e, segundo a construtora, todos os donos ressarcidos.

Os 30 prédios previstos para a área agora serão construídos. No local, perto do mar, máquinas trabalhavam na semana passada para tirar da frente a mata atlântica que ainda restava ali.

Quando todos estiverem prontos, o que vai demorar provavelmente mais de uma década, a verticalização da Riviera, nos mesmos padrões do que existe hoje, terá aumentado 14%.

"Impacto [ambiental] é claro que há. Mas estamos fazendo um projeto que existe desde 1979. Tudo legalizado, com todas as compensações necessárias. Sempre respeitamos todas as decisões da Justiça, por isso ficou tudo parado", afirma Luiz Augusto de Almeida, diretor da Sobloco.

Pelo acordo firmado na Justiça, que contou também com o aval da Prefeitura de Bertioga, que depende bastante do empreendimento como fonte de renda –a Riviera arrecada 50% do IPTU da cidade–, há uma lista de condicionantes com vários itens.

Entre eles, construir uma unidade básica de saúde, uma unidade do centro de referência da assistência social e um centro comunitário de esportes e lazer, em até três anos. Tudo deve ser entregue equipado para uso imediato. A conta: R$ 16 milhões.

Obrigada pela licença de 2005, a Sobloco comprou uma área de 2 milhões de metros quadrados, próxima do parque Estadual da Serra do Mar, como compensação.

Os animais que viviam no terreno que está sendo desmatado sofreram uma transferência forçada para uma outra área, também conectada ao parque da Serra do Mar.

Desde a emissão da licença, 124 mil espécies foram realocadas. Havia anfíbios, répteis, aves e mamíferos –grupo que tinha macacos, quatis, gambás e roedores.

As características da flora da região destruída, diz o grupo, foram preservadas com a coleta de plantas e sementes.

Raio-x Riviera

LÓGICA DO SÉCULO PASSADO

O desmatamento em Bertioga, no litoral de São Paulo, é visto com muitas ressalvas por movimentos ambientais da Baixada Santista.

Para esses grupos, as discussões atuais sobre preservação da mata atlântica e aumento do nível do mar deveriam pautar qualquer projeto de urbanização do litoral.

"O Brasil é signatário da Agenda 2030 da ONU, que em seu objetivo 15 fala sobre o fim do desmatamento", afirma Ícaro Camargo, do Movimento Bertioga Para Todos.

De acordo com Camargo, nada justifica, nos dias atuais, o desmatamento de milhões de metros quadrados.

Na visão do ativista independente Geraldo Varjabedian, morador de Bertioga, existe uma divergência conceitual importante entre ambientalistas e empreendedores de grandes projetos urbanísticos, como o da Riviera de São Lourenço.

"Esse projeto [em termos de ideias de sustentabilidade ambiental] caiu de caduco nos anos 1990. No século passado. É como se eles cantassem uma música que está na página anterior", compara.

Como o projeto não leva em conta eventuais subidas do nível do mar na região, Varjabedian é enfático: "Vai ser criado problema onde não existe. Não há nada de sustentável nisso".

Mesmo dentro da forma como o projeto e as compensações estão sendo feitas, poderia existir um foco mais centrado nas questões ambientais, afirma Fabrício Gandini, do Instituto Maramar.

"O fato de ter licença nada tem a ver com não cometer dano ambiental. As compensações estão distantes das consequências desse dano", diz o pesquisador.

Segundo ele, poderiam ter sido construídos projetos de trilhas para uso dos parques criados na região, além de projetos de desenvolvimento sustentável nos estuários dos rios locais. Com isso, haveria "geração de trabalho que qualificaria a mão de obra local para uma outra lógica social", diz.

O diretor da Sobloco, Luiz Augusto de Almeida, da empresa que criou e desenvolveu a Riviera, continua um grande defensor do projeto, ao qual ele conta ter dedicado toda a sua vida.

"Nós sempre buscamos fazer tudo da melhor forma possível, em termos ambientais. Mas, se fosse para começar do zero, hoje, provavelmente a Rivera não teria saído."


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