Folha de S. Paulo


Justiça suspende acordo bilionário entre Samarco, governos e União

Alexandre Rezende - 2.dez.2015/Folhapress
Mariana, MG, BRASIL, 02-12-2015, 10:30h. Imagens da comunidade de Bento Rodrigues tres semanas apôs o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco que devastou a localidade. (Alexandre Rezende/Folhapress COTIDIANO) *** EXCLUSIVO FOLHA *** ORG XMIT: Alexandre Rezende
Vilarejo de Bento Rodrigues, em Mariana (MG) após o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou a suspensão do acordo feito entre a União e os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo com a Samarco e suas donas, Vale e BHP Billiton. O texto prevê a recuperação das áreas destruídas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG).

A decisão liminar (provisória), da ministra Diva Malerbi, foi publicada nesta sexta-feira (1º) e afirma que a homologação do acordo não poderia ser feita pelo núcleo de conciliação da Justiça Federal, já que decisão anterior do STJ determinava que questões urgentes a respeito do rompimento deveriam ser decididas pela 12ª Vara em Minas Gerais.

"Entendo que a homologação do mencionado acordo pela autoridade reclamada desrespeitou decisão proferida por esta Corte Superior", afirma a ministra. Procuradas, Vale e Samarco afirmam que irão recorrer.

A decisão de Malerbi foi dada após o Ministério Público Federal questionar a homologação na Justiça. No texto, a ministra questiona a "ausência de adequado debate" para a elaboração do acordo.

"Não há indicativo de que qualquer município atingido tenha participado das negociações em comento, não obstante as obrigações que foram atribuídas a esses entes da federação no âmbito da referida avença", diz a magistrada.

"Também não está demonstrada a inclusão de membro do Ministério Público do Estado de Minas Gerais na formatação do ajuste em comento, o que indica a ausência de adequado debate para o desenlace convencionado do litígio".

Segundo ela, "seria rigorosamente recomendável o mais amplo debate para a solução negociada da controvérsia, por meio da realização de audiências públicas".

ACORDO

O acordo, que chegou a ser comemorado em evento com a presença da presidente afastada Dilma Rousseff, foi homologado no dia 5 de maio.

Desde as negociações, os Ministérios Públicos têm criticado o teor do texto, que consideram favorável às mineradoras.

Pelos termos combinados, a Samarco teria que cumprir aproximadamente 40 programas de recuperação ambiental com aporte de R$ 2 bi este ano, R$ 1,2 bi em 2017 e mais R$ 1,2 bi em 2018. De 2019 a 2021 os valores podem variar entre R$ 800 milhões e R$ 1,6 bilhão.

Além disso, até 2018 seriam usados R$ 500 milhões para saneamento dos municípios atingidos.

Seria criada uma fundação privada com conselho administrativo indicado pelas empresas para gerir os programas. Um Comitê Interfederativo, com representantes do governo federal, Estados e municípios atingidos, acompanha as ações.

'NÃO AFETA OBRIGAÇÕES'

Em nota, a Samarco informou que irá recorrer e que "a decisão não afeta as obrigações contidas no acordo, que continuarão sendo integralmente cumpridas, inclusive no que diz respeito à instituição da fundação de direito privado prevista no documento".

Já a Vale diz que "continuará a cumprir o acordo, apoiando a recuperação das comunidades e do meio ambiente afetados pela ruptura da barragem de fundão da Samarco". Também informa que irá "tomar as medidas judiciais necessárias para confirmar a homologação do mesmo".

O advogado-geral de Minas Gerais, Onofre Batista, afirma que a União e os dois Estados recorrerão conjuntamente ao STF (Supremo Tribunal Federal) na próxima semana para que a questão seja definida.

"Foi até boa essa decisão do STJ, porque a gente recorre ao STF e decide tudo logo de uma vez", disse à Folha. Segundo Batista, o acordo tem "andado a passos lentos" por temor das empresas da possibilidade de uma revogação dos termos.

No Espírito Santo, o procurador-geral do Estado Rodrigo Rabello diz que "a preocupação é que esse debate judicial eternizado em vez de beneficiar a população, prejudique". "O acordo não inibe que o Ministério Público apresente novas propostas. Nós sempre estivemos abertos para conversar", afirma.

Em nota, a AGU informa que "aguarda a intimação formal da decisão liminar para adotar as medidas judiciais cabíveis".

A reportagem não conseguiu localizar representantes da BHP Billiton.

O rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG) matou 19 pessoas, destruiu o vilarejo de Bento Rodrigues e devastou o rio Doce até a sua foz, no Espírito Santo.

O Caminho da Lama

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O acordo

Quem assinou
A Samarco e suas donas (Vale e BHP Billiton), a AGU (Advocacia-Geral da União) e os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo

O que ele prevê
A Samarco deve destinar R$ 4,4 bilhões até 2018 a projetos de recuperação da bacia do rio Doce. Para gerir os trabalhos, foi criada uma fundação privada com conselheiros indicados pelas empresas. Um Comitê Interfederativo, com representantes do governo federal, Estados e municípios atingidos, acompanha as ações.

As críticas do Ministério Público Federal
O órgão é contra o acordo porque diz que ele "prioriza o patrimônio das empresas" e "não garante a reparação dos danos". Segundo o procurador Jorge Munhoz, o texto blinda a Vale e a BHP Billiton, assim como o poder público, que também seriam responsáveis diretos pela tragédia. O MPF chegou a participar das negociações, mas abandonou a mesa antes de o acordo ser fechado.

LINHA DO TEMPO

5.nov.2015
Barragem de Fundão se rompe em Mariana (MG). A lama soterrou o vilarejo de Bento Rodrigues e devastou o rio Doce, deixando um rastro de destruição até o litoral do Espírito Santo e matando 19 pessoas.

2.mar.2016
Um acordo de recuperação ambiental é assinado entre as mineradoras, a União e os Estados de MG e ES. No evento, a presidente Dilma Rousseff diz que o governo federal estava "fazendo história".

3.mai
Em contrapartida, o Ministério Público Federal protocola ação que pede R$ 155 bilhões da Samarco, Vale e BHP, com depósito inicial de R$ 7,7 bilhões.

5.mai
O acordo entre as empresas e o poder público é homologado pela Justiça Federal. A Samarco tratou a aprovação como "um marco em processos de recuperação e reparação pós-acidentes ambientais".

31.mai
O então novo ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, afirma que vai propor uma revisão do acordo para que as ações da empresa levem mais em conta as demandas das vítimas.

1º.jul
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) suspende o acordo, alegando que a homologação não poderia ter sido feita pelo núcleo de conciliação da Justiça Federal. Uma decisão anterior do tribunal determinava que questões urgentes a respeito do rompimento deveriam ser decididas pela 12ª Vara em Minas Gerais.


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