Folha de S. Paulo


Polícia Federal oferece passaporte mais caro para furar fila de atraso

A família Sousa começou a enfrentar turbulência três meses antes de embarcar na sua viagem de férias para a Disney World, na segunda quinzena de setembro.

Quando foram renovar o passaporte de seus cinco integrantes, na última quinta (23), ouviram da funcionária da Polícia Federal do posto do shopping Eldorado: "O documento não vai sair a tempo".

Passados dois segundos do que eles classificam como "puro pânico", a atendente ofereceu uma solução. Se eles optassem por pagar R$ 77,17 a mais para cada passaporte (que custa R$ 257,25), teriam os documentos em mãos dentro de quatro dias úteis.

"A gente gastou quase US$ 150 para burlar a incompetência do setor público", diz o pai da família, que pediu para ter seu nome omitido por medo de o documento, que ele ainda não retirou, ser confiscado pela Polícia Federal.

Com demora para entrega que pode chegar a até quatro meses, quando o período normal não passa de 30 dias, a PF passou a propagandear um sistema mais rápido, e mais caro, para quem precisa viajar nos próximos 120 dias.

A Folha entrevistou 110 pessoas nos postos de expedição dos shoppings Eldorado e Ibirapuera e na Superintendência da PF, na Lapa, de quinta (23) a segunda (27). Mais de metade (58) disse ter pago a taxa de emergência, após ser informada da possibilidade pelos funcionários.

A solução oferecida para a família Sousa é um passaporte comum, mas que é entregue num período expresso.

"É o passaporte 'express'. É a fila VIP!", define a cabeleireira Josiane Gato, que retirou o seu menos de uma semana depois do pedido.

OFERTA EXPRESSA

O passaporte com entrega rápida tem o mesmo preço do de emergência, documento emitido em até 24 horas para quem precisa sair do país por problema de saúde ou catástrofe natural, por exemplo.

Mas são documentos de classes diferentes, diz a PF: enquanto a validade do documento de urgência é de um ano, a vigência daquele com taxa de urgência é de dez anos, como a opção comum.

A PF confirmou ter orientado os atendentes, de empresas terceirizadas, a oferecer a possibilidade expressa. A opção já existia para atender quem fosse viajar a turismo e não pudesse esperar por uma semana. Mas esse serviço não era ofertado para todos até as últimas semanas.

A Folha questionou quantas taxas de urgência foram pagas na última semana e qual era a média para períodos similares de anos anteriores. Não obteve resposta.

A demora na entrega dos passaportes é atribuída pela PF e pela Casa da Moeda, que confecciona os documentos, a uma falta do papel que compõe a caderneta de viagem.

A PF afirma que o problema de insumos foi resolvido por ora, com a chegada de uma leva de papel, mas que há cerca de 100 mil passaportes esperando por impressão. A Casa da Moeda afirma em nota que "o prazo para a entrega ainda é impreciso".

Na tarde de segunda (27), a superintendência regional da PF, na Lapa, ilustrava como vem sendo feita a entrega. Quem chegasse para retirar o documento era encaminhado para o auditório, onde havia cerca de cem pessoas sentadas, esperando. Crianças choravam, e havia restos de comida no chão. O cidadão esperava entre uma hora e meia e duas horas para ser chamado para uma salinha onde, por fim, pegaria seu documento.

"Depois não sabem por que a gente tem pavor de ficar sem passaporte e não poder fugir correndo do país", disse a cabeleireira Josiane, saindo do prédio da PF com seu passaporte "express" e uma passagem para a Espanha.


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