Folha de S. Paulo


Novas regras inibem cesárea antecipada, mas não impedem dribles

Christian Berthelot/BBC
Os primeiros segundos de um bebê nascido por cesárea
Os primeiros segundos de um bebê nascido por cesárea

A nova resolução médica que entrou em vigor na quarta-feira (22) deve inibir cesáreas eletivas, realizadas por escolha da gestante, antes da 39ª semana de gravidez, mas não vai impedir a prática.

Segundo obstetras, é possível que médicos e pacientes burlem a regra do CFM (Conselho Federal de Medicina), apresentando diagnósticos falsos para justificar a antecipação. Como a fiscalização do conselho costuma ser mais reativa, é preciso primeiro haver uma denúncia para que se instaure uma investigação.

Antes da mudança, não havia uma regra sobre as cesáreas feitas a pedido da gestante, sem necessidade médica. De acordo com o CFM, os médicos não estavam autorizados, do ponto de vista ético, a fazer o procedimento sem justificativa clínica ou obstétrica.

Para contornar o problema, era comum que inventassem motivos para realizar a cesárea eletiva, alegando alteração na pressão da paciente ou do tamanho do bebê, por exemplo. Em muitos casos, os obstetras sequer citavam uma indicação médica no prontuário, já que não havia controle.

Cesárea
Veja o que muda com a resolução do CFM

"No sentido legal, você não pode abrir a barriga da pessoa porque quer, isso é lesão corporal, tem que ter justificativa", diz Etelvino Trindade, da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do CFM.

"O médico tinha que criar um diagnóstico para a cesárea –era mais ou menos dessa forma que funcionava", afirma. "Talvez a estatística mais predominante [de justificativa] seja que o colo não amadureceu ou dificuldade de trabalho de parto, mesmo que não seja a realidade."

Segundo o conselho, a nova regra permite ao médico dizer no prontuário que a cesárea após a 39ª semana foi feita apenas a pedido da paciente. Representantes do setor, porém, admitem que a prática de inventar diagnósticos poderá continuar –agora para cesáreas eletivas antes da 39ª semana.

Grávidas querem antecipar a cirurgia por diversos motivos. Algumas dizem que estão cansadas ou sentindo incômodo no dia a dia. Outras desejam que o nascimento coincida com eventos astrológicos ou aniversários.
Além disso, o obstetra pode ter interesse em antecipar, para sair de férias ou porque a data não é conveniente.

CESÁREAS - Opção é predominante na rede privada (em %)

Cesáreas em relação ao total de partos (em %)

EFETIVIDADE

Mesmo com a possibilidade de dribles, especialistas avaliam que a nova regra vai desencorajar a cesárea antes do prazo."A resolução criou uma visibilidade para o assunto. A paciente está mais atenta. O médico vai ficar muito exposto [se não cumprir]", diz o diretor de defesa e valorização profissional da Febrasgo (federação de obstetras), Juvenal de Andrade.

Se o obstetra for denunciado, cabe aos conselhos regionais avaliar as punições, que vão de advertência a cassação do registro profissional. Segundo obstetras, porém, as denúncias tendem a ocorrer só em caso de complicações no parto, principalmente se houver morte da gestante ou do bebê. Quando paciente e médico concordam, é ainda mais difícil verificar o descumprimento da regra.

"O paciente pode mentir, e não é papel do médico ser polícia. Mas quero crer que a maior parte não inventa", diz o obstetra Abner Lobão Neto, favorável à medida.

A coordenadora médica da maternidade do Hospital Albert Einstein, Rita Sanchez, também defende a regra. "É um sinal forte de que o CFM está de olho. Com isso, os hospitais vão ter mais força para cobrar os médicos."

O CFM afirma que a fiscalização da regra será incluída entre as ações de monitoramento dos conselhos regionais. Mas não há planos de criar uma vigilância específica para a área. "Não pode a delegacia de polícia entrar em tudo quanto é casa, não tem como. Mas, se há subsídios, vamos de imediato", diz o coordenador da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do CFM, Hiran Gallo.


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