Saem: salões de festas, grades metálicas baixas e quintais na frente de casa. Entram: garagens no subsolo, muros de três metros de altura e jardins nos fundos. Reduto de tradicionais famílias paulistanas, o Jardim Europa, na zona oeste, passa por uma renovação.
De um lado, dezenas de placas de "vende-se" e "aluga-se" revelam a saída de moradores. De outro, a presença de tapumes e placas com nomes de arquitetos e paisagistas mostra uma gradual transformação na paisagem.
São ao menos 15 obras de grande porte em residências apenas no perímetro original do bairro, que engloba as ruas batizadas de países e cidades da Europa —os Correios consideram que também fazem parte do Jardim Europa outras ruas, entre a avenida Faria Lima e a marginal Pinheiros.
Ao lado de casas já reformadas nos últimos anos, as construções transformam o bairro em vitrine de arquitetos premiados. Seus desenhos tentam atualizar —quando não colocar abaixo— residências construídas há mais de 40 anos no bairro, loteado na década de 1920.
"Os projetos mais difíceis estão relacionados à modernização de residências projetadas por grandes nomes da arquitetura paulista", afirma Arthur Casas, com três trabalhos em andamento na região atualmente.
Ele já reformou uma casa de Gregori Warchavchik (1896-1972) e está repaginando outra de Oswaldo Bratke (1907-1997). "É importante manter intactas as características dessas construções, mas as pessoas não compraram um museu. As residências têm que atender às necessidades da família moderna", diz.
Necessidades da família moderna do Jardim Europa: todos os quartos são suítes, garagem para no mínimo quatro carros, cozinha gourmet, home theater e sala de ginástica. Outros ambientes se tornaram dispensáveis. "Não temos mais salão de festas, por exemplo", diz Casas.
BARULHO
Transformações do outro lado das fachadas também influenciam os projetos. O tráfego mais intenso é uma delas. "O Waze nos faz percorrer todas as ruas do bairro", diz o arquiteto.
O aplicativo que dá dicas de trânsito lotou vias da região, antes vazias, de motoristas que querem cortar caminho entre os bairros do Itaim Bibi e Jardim América. O ruído dos carros não é o único problema que demanda solução arquitetônica.
"A dinâmica da cidade mudou. Violência, trânsito e barulho fazem a casa se voltar mais para o lado do terreno", afirma o arquiteto Paulo Jacobsen. Traduzindo: quintais que antes davam para a rua agora são projetados para ficarem na parte de trás. "Os fundos viraram a frente."
Em parceria com Bernardo Jacobsen, Paulo relata que seus projetos tentam compensar a distância da rua por meio da integração com o lado de fora. Para isso, utilizam materiais transparentes e de iluminação pelo teto.
Atualmente, a dupla tem três trabalhos em andamento no Jardim Europa.
DEMOLIÇÃO
Assim como costuma acontecer com o trabalho de Jacobsen, a maioria das obras no bairro parte do zero, segundo Alberto Luiz du Plessis, diretor da All'e Engenharia, que atua na região.
"Praticamente não há mais terrenos vazios ali, então as pessoas compram casas de 40, 50 anos de idade e têm que demolir para construir algo contemporâneo", diz.
Assim como as linhas retas e ambientes amplos, garagens subterrâneas são itens presentes na maioria desses imóveis, segundo Plessis —nesse último caso, inclusive porque o uso do subsolo não entra na conta do limite máximo de área construída.
Embora a maioria das grandes obras tenha aval dos órgãos de patrimônio —o bairro é tombado—, a mudança não agrada a todos. "Os arquitetos estão fazendo quase um caixote, sem a beleza clássica das coisas de antigamente", diz João Maradei, diretor da AME Jardins (associação de moradores dos Jardins).
CRISE
"Será, sem dúvida, o bairro preferido da elite paulistana", prometia o anúncio da venda de lotes do Jardim Europa publicado em 1922 por seu proprietário, Manuel Garcia da Silva. Nas décadas seguintes, a previsão se cumpriu. O bairro da zona oeste foi escolhido por banqueiros, empresários e famílias quatrocentonas da capital paulista.
Mudanças na cidade e no movimento demográfico, no entanto, fizeram com que o bairro perdesse moradores. Ao longo dos anos, imóveis vagos e placas de "vende-se" se multiplicaram por ali.
Hoje, são dezenas. Segundo corretores, a crise aumentou o número de casas colocadas a venda. O valor proposto chega a R$ 30 milhões para uma residência com cinco suítes e nove vagas de garagem em 1.250 metros quadrados de área útil.
A venda de imóveis, no entanto, é anterior ao freio na economia e é comum em bairros estritamente residenciais. Em busca de segurança, muitos moradores trocam as casas por prédios.
Mudanças de padrões familiares também influem. "Os filhos crescem, vão embora e a casa fica grande. Aconteceu com o Morumbi", afirma Cláudio Bernardes, do conselho consultivo do Secovi-SP (sindicato da habitação). Ele ressalta, porém, que o Jardim Europa leva vantagem nessa comparação por ter índices baixos de violência.
Na tentativa de adensar o bairro e outras áreas semelhantes, a proposta inicial da Lei de Zoneamento de SP previa a liberação de mais comércio em vias próximas. O lobby de moradores contrários, porém, barrou a medida, e o bairro segue com uso predominantemente residencial.