Folha de S. Paulo


Promotor do Rio diz que conjunção carnal é 'a melhor parte' de estupro

Um promotor do Ministério Público do Estado do Rio fez um comentário polêmico ao exemplificar um caso de estupro durante a prova de um candidato em um processo de seleção da instituição.

Alexandre Joppert, promotor encarregado de entrevistar o candidato, decidiu descrever uma situação hipotética de estupro coletivo e se referiu ao responsável por forçar o ato sexual como aquele que "fica com a melhor parte, dependendo da vítima".

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A Folha teve acesso à arguição de Joppert, gravada por um dos presentes no processo de seleção. Ao apresentar o caso de estupro coletivo que seria avaliado pelo candidato, o promotor disse: "Estupro praticado por cinco homens contra uma mulher. Mediante violência física e grave ameça também. Um segura, o outro aponta a arma, o outro guarnece a porta da casa, o outro mantém a conjunção... fica com a melhor parte, dependendo da vítima, mantém a conjunção carnal, e o outro fica com o carro ligado para assegurar a fuga (...)".

De acordo com testemunhas ouvidas pela Folha, no momento em que o promotor fez o comentário houve um clima de constrangimento na sala. "Depois que ele falou aquilo, não consegui mais prestar atenção na prova. Fiquei pensando que ela tinha que ser interrompida. Como uma instituição dessa importância permite isso?", disse à Folha uma candidata, que pediu para não ser identificada.

Joppert está no Ministério Público desde 1999. Atualmente, ele é assessor criminal do procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira.

OUTRO LADO

Em nota, o Ministério Público afirmou que instaurou procedimento interno para apurar a conduta do promotor. O procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira, afirmou que pediu esclarecimentos a Joppert. O procurador-geral disse também que, a pedido de Joppert, ele foi afastado cautelarmente da banca examinadora até a conclusão da apuração.

O promotor Marcelo Lessa, que participou da banca com Joppert, defendeu o colega. "A dimensão que o caso tomou não corresponde ao que aconteceu. Há excesso de sensibilidade. Foi uma questão teórica tratada de forma prática. Ele é um promotor sério, não faria pouco caso de algo grave assim. Tanto é que queria ouvir que foram cinco crimes cometidos."

Joppert divulgou nota onde diz que a frase foi dita como se partisse do estuprador, e não dele, Joppert.

"Com efeito, ao me referir ao fato do executor do ato sexual coercitivo ter ficado "com a melhor parte", estava obviamente me referindo à "opinião hipotética do próprio praticante daquele odioso crime contra a dignidade sexual". Até porque, da mesma forma que "para o corrupto" a "melhor parte ou exaurimento" do crime de corrupção é o "recebimento da propina"; da mesma forma que, "na opinião de um estelionatário", a "melhor parte ou objetivo" do seu crime" é a "obtenção da indevida vantagem, na mente de praticantes dessa repugnante casta de crimes sexuais, a satisfação coercitiva da lascívia é o desiderato odiosamente perseguido."

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Veja a íntegra da nota do promotor:

NOTA DE ESCLARECIMENTO PÚBLICO

ALEXANDRE COUTO JOPPERT, Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, serve-se da presente NOTA PÚBLICA para esclarecer fatos ocorridos na tarde de 22 de junho de 2016, durante a realização da Prova Oral do 34o Concurso Público para Ingresso na Carreira do Ministério público, no qual este subscritor funciona como examinador titular da Banca de Direito Penal.

Tais esclarecimentos se mostram imprescindíveis, pois durante uma longa inquirição de 40 minutos a um candidato do citado exame oral, uma pessoa da platéia, aparentemente, teria se incomodado com uma frase incidentalmente dita por este subscritor no contexto da aferição, que foi por ela reputada como reveladora de menoscabo à figura feminina, manifestando seu descontentamento pela rede mundial de computadores e ganhando o fato grande polêmica e repercussão midiática.

Certo é que, durante o referido exame oral, foi indagado do candidato sobre as consequências penais de um imaginário estupro coletivo, em que cada um dos participantes mantinha uma tarefa definida, com um guarnecendo a porta, um segundo permanecendo com o carro ligado para facilitar fuga, um terceiro de arma em punho, um quarto segurando a ofendida e um último mantendo a conjunção carnal, revezando-se os participantes nessas tarefas, até o perfazimento de cinco violações sexuais distintas.

Durante a explicação do exemplo acima citado, meramente hipotético, teria sido esclarecido que cada um daqueles comparsas desenvolveu plenamente, e de forma revezada, sua função criminosa, "ficando o executor da conjunção carnal com a melhor parte dependendo da vítima".

Fixando-se a atenção para esta última frase, geradora de interpretação negativa para alguns, e que, deve ser analisada não isoladamente, mas sim dentro de todo o contexto da prova, devo ressaltar que a proferi sem qualquer intenção, mínima que seja, de patrocinar menosprezo ou desrespeito de gênero.

Com efeito, ao me referir ao fato do executor do ato sexual coercitivo ter ficado "com a melhor parte", estava obviamente me referindo à "opinião hipotética do próprio praticante daquele odioso crime contra a dignidade sexual". Até porque, da mesma forma que "para o corrupto" a "melhor parte ou exaurimento" do crime de corrupção é o "recebimento da propina"; da mesma forma que, "na opinião de um estelionatário", a "melhor parte ou objetivo" do seu crime" é a "obtenção da indevida vantagem, na mente de praticantes dessa repugnante casta de crimes sexuais, a satisfação coercitiva da lascívia é o desiderato odiosamente perseguido.

Esclareço, por oportuno, minha plena convicção pessoal que toda e qualquer violação contra dignidade sexual nunca comportará "lado melhor ou melhor parte", sendo certo que ao longo de quase 17 anos de carreira no Ministério Público sempre pautei minha atuação no combate intransigente para com toda forma de discriminação e violência física ou moral contra a mulher, tanto que, ao integrar a Subcomissão de juristas constituída pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, no ano de 2012 em Brasília, fui ferrenho defensor do endurecimento das penas dos crimes contra a dignidade sexual e de violência doméstica contra a mulher.

No que tange a parte final da frase causadora de polêmica, consubstanciada na ressalva: melhor parte "a depender da vítima", estava desejando, implicitamente, fazer referência a eventual capacidade aumentada de resistência física da imaginária ofendida, como, por exemplo, a hipótese de a mesma ser graduada lutadora de artes marciais.

Assinale-se que, tanto é verdade que o exemplo cobrado na prova não foi tratado sem a seriedade que merecia, que o próprio gabarito por mim pretendido para a hipótese, e alcançado pelo candidato, era de responsabilizar mais severamente "cada um" daqueles fictícios participantes por CINCO crimes de estupro.

Por conta disso, muito me entristece que minha história de vida, minhas convicções absolutamente solidárias com uma sociedade igualitária e despida de preconceitos de qualquer natureza, do meu completo compromisso ético e profissional na luta inapelável pela punição exemplar de todo praticante de delito contra dignidade sexual, ou qualquer atentado moral ou físico contra a mulher, sejam colocados em xeque por conta de uma frase incidental, eventualmente incompleta de seu almejado sentido, mas sem qualquer intento de ofender quem quer que seja.

De qualquer sorte, como a frase em questão foi apta a gerar essas interpretações desviadas da minha genuína intenção, tenho toda a humildade em pedir as mais sinceras escusas pelo desconforto ou descontentamento que a mesma tenha causado, colocando-me à inteira disposição do Ministério Público e da Sociedade para qualquer esclarecimento que se faça a mais necessário.

Respeitosamente

ALEXANDRE COUTO JOPPERT


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