Folha de S. Paulo


E-mail apreendido pela PF lista erros da Samarco em tragédia

Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress
Vista das barragens de Germano e Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana (MG)
Vista das barragens de Germano e Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana (MG)

Durante a construção da barragem de Fundão, em Mariana, a Samarco alterou totalmente seu projeto básico, não o enviou para a revisão, usou materiais mais baratos na drenagem e deixou de registrar as mudanças feitas.

Os erros da empresa constam em e-mail apreendido pela Polícia Federal na sede da mineradora. Intitulado "Barragem do Fundão - Lições aprendidas", foi enviado a dois diretores da Samarco quatro dias após a tragédia por remetente cujo cargo e empresa não foram identificados.

O documento, obtido pela Folha, é citado pela PF no inquérito como prova de que a Samarco "sabia de todos os problemas da barragem". A mensagem "demonstra que, para se economizar na obra, a segurança e a confiabilidade foram postas de lado", escreve a polícia em relatório.

A Samarco, a Vale, a consultoria VogBR e oito executivos foram indiciados por crime ambiental. Todos negam ter cometido irregularidades.

Encaminhado à então gerente de geotecnia, Daviely Rodrigues, e ao de engenharia, Reuber Koury, o texto lista sete problemas identificados. Diz que, durante a construção, a Samarco "interferiu o tempo todo fazendo alteração dos materiais a serem utilizados nos drenos e aterros".

A obra era tocada pela construtora Camter. Segundo o e-mail, "não houve registro das alterações". "Muitas vezes (...) eram indicadas através de 'croquis' feitos à mão em atas de reunião".

A mensagem ainda diz que, na construção, houve um problema na fundação de uma das galerias da barragem, mas também "não há registro" da recuperação de área, que só pode ser vista por meio de fotos. "Mesmo as fotos não têm indicação de data, de localização (...) etc."

"Não existe controle do material utilizado em cada trecho do dreno. Muitas das alterações de materiais só ficaram registradas em atas de reunião e não foram contempladas no diário de obras."

Meses depois da construção, a barragem apresentou problemas de drenagem, e a empresa contratada para fazer o projeto, segundo o texto, não quis ser responsável pela correção porque "a Samarco já havia descaracterizado toda a construção".

Fundão ruiu em 5 de novembro e sua lama soterrou a vila de Bento Rodrigues, matou 19 pessoas e chegou ao litoral capixaba. A drenagem, segundo as investigações, foi uma das causas.

A PF não diz para quem o autor do e-mail trabalha.

O engenheiro Juarez Miranda Júnior, responsável pela obra, confirmou à PF que a Samarco usou material mais barato para os drenos, mas disse que as alterações não foram significativas. Procurado pela reportagem, ele não quis se manifestar.

Nas mensagens apreendidas, o supervisor de monitoramento, Wanderson Silvério, também fala em cortes de gastos. Nos últimos anos, a Samarco diminuiu a verba de geotecnia (aplicação de métodos de engenharia).

OUTRO LADO

A Samarco, que pertence à Vale e à anglo-australiana BHP Billiton, afirmou, em nota, que "os documentos apresentados pela PF estão mais uma vez fora de contexto".

"O texto 'lições aprendidas' foi escrito em 2012 e não está relacionado com o acidente de 2015. Além disso, não é um documento técnico do ponto de vista de geotecnia, mas uma visão de gestão de contratos entre Samarco e fornecedores", diz, em nota.

Segundo a PF, a mensagem foi enviada às 14h53 de 9 de novembro de 2015 e estava nas caixas de entrada de dois diretores da Samarco.

A construtora Camter afirma que o responsável pela obra à época era o engenheiro Juarez Miranda Júnior, que não trabalha mais na empresa. Júnior afirmou à Polícia Federal que não houve "alteração substancial" ou "mudança técnica" no projeto.

"Se [a modificação] era uma coisa simples, podia sim ser feita através de croquis", disse em depoimento à PF.

Segundo o engenheiro, no depoimento, uma equipe de consultores acompanhou e documentou a construção da barragem. Ele afirma, no entanto, que a Samarco impôs a modificação de material nos drenos. Júnior disse ainda que, quando Fundão apresentou problema nos drenos, a "obra não era responsabilidade da Camter".

Procurado pela Folha, Júnior não quis se manifestar.

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FALHAS APONTADAS POR E-MAIL:

1. O projeto básico não foi devolvido à projetista para revisão e elaboração do projeto detalhado

2. O projeto foi totalmente modificado após o início da construção. Passou-se de uma galeria de 90m de comprimento para duas de 500m, por exemplo

3. A fiscalização ficou a cargo de duas empresas (Pimenta de Ávila e Logos), o que dividiu responsabilidades

4. Vários problemas ocorreram durante a construção; a Samarco interferiu o tempo todo, alterando os materiais

5. A equipe de projeto não acompanhou o início da operação, e a documentação com orientações não foi repassada à equipe de operação

6. Quando se viu que o projeto havia sido totalmente alterado, houve mudança no valor do contrato sem renegociação

7. A Camter não foi chamada para dar garantia técnica quando os problemas começaram, e sim meses depois, quando a construção já havia sido alterada

Fonte: Polícia Federal

O Caminho da Lama


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