Folha de S. Paulo


Samarco cogitou remover vila de Mariana antes de tragédia em MG

Com medo de uma provável ruptura da barragem de Fundão, acionistas da Samarco cogitaram ainda em 2012, três anos antes da tragédia de Mariana (MG), retirar a vila de Bento Rodrigues do local onde estava, a menos de 2 km de distância do reservatório.

A informação consta de troca de mensagens no chat interno da empresa entre diretores da mineradora que pertence à Vale e à anglo-australiana BHP Billiton. O material, obtido pela Folha, foi apreendido pela Polícia Federal.

Em 5 de novembro de 2015, o subdistrito foi engolido pela lama liberada de Fundão. Cinco moradores do local e 14 trabalhadores morreram.

Nesse chat, o então diretor de operações da Samarco, Kleber Terra, afirma ao gerente geral de projetos à época, Germano Lopes, que "acionistas querem tirar Bento de qualquer jeito". Diz ainda achar "que a turma [acionistas] tá superestimando os danos com as estruturas atuais".

Germano Lopes responde que não deveriam incluir os estudos de ruptura hipotética da barragem em um pedido de licenciamento ambiental, "a menos que sejamos obrigados por força da lei".

Segundo a PF, o diálogo revela que a empresa sabia dos riscos de Bento ser destruído e os assumiu. Para a polícia, a Samarco tentou "esconder os possíveis danos que tinham conhecimento que poderiam acontecer a Bento Rodrigues, para obter o licenciamento".

Em outro diálogo, de março de 2015, Lopes fala de duas trincas que surgiram em Fundão, uma em junho de 2013, outra em agosto de 2014, fruto da alteração na geometria da estrutura –abriu-se um recuo no topo, onde a ruptura ocorreria, segundo a polícia.

"É importante salientar que o recuo tornou o sistema de drenagem existente menos eficiente", escreve Lopes.

Alexandre Rezende - 23.dez.2015/Folhapress
BELO HORIZONTE, MG, BRASIL, 23-12-2015, 15:30h. O presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, em entrevista exclusiva na sede da empresa em Belo Horizonte. (Alexandre Rezende/Folhapress COTIDIANO) *** EXCLUSIVO FOLHA *** ORG XMIT: Alexandre Rezende
O ex-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, na sede da empresa em Belo Horizonte

'AI, AI, AI...'

Os problemas na barragem chegaram ao conhecimento de Ricardo Vescovi, presidente da empresa na época da tragédia, revelam as mensagens apreendidas pela PF.

Em 2014, Terra diz a Vescovi: "Em Fundão apareceram umas trincas no maciço [parede externa] onde desviamos o eixo... nada sério, mas requer intervenção". Vescovi responde: "O que??? Ai, ai, ai... Fica esperto". E pergunta que tipo de trinca era: "Só no maciço ou conecta com o interior da barragem?" "Só no maciço", responde Terra.

Esses diálogos com Vescovi foram divulgados nesta terça (21) pelo jornal "O Estado de S. Paulo". Os riscos eram conhecidos pelo então presidente ao menos desde 2011. Fundão começou a operar em dezembro de 2008.

Em 2011, Vescovi diz, sobre a ameaça que a barragem representava à vila, que a equipe deveria abordar em texto "algo que corrobore com uma baixa probabilidade de um evento". Também diz ser mais fácil criar outra barragem do que investir em um material necessário para Fundão.

Não há mensagens do dia anterior à ruptura ao final daquele mês na conta de Vescovi. A polícia desconfia que tenham sido apagadas. Seis diretores da Samarco foram indiciados por crime ambiental e homicídio por dolo eventual (assume-se o risco de matar).

'FORA DE CONTEXTO'

O advogado que defende Ricardo Vescovi (ex-diretor-presidente da Samarco) e Kleber Terra (ex-diretor de operações) disse, em nota, que as mensagens foram "pinçadas de conversas travadas anos atrás e inseridas no relatório policial de maneira absolutamente descontextualizada e parcial". De acordo com ele, as conversas entre os diretores, em chat interno, "não conferem qualquer respaldo às conclusões" da Polícia Federal.

"Aproveitamos a oportunidade para reafirmar que, de acordo com conclusões alcançadas pelos mais diversos especialistas, a barragem de Fundão encontrava-se rigorosamente dentro dos padrões de segurança", afirma Paulo Freitas Ribeiro.

A Samarco diz que "sempre manteve postura de total transparência e colaboração" com a investigação. "Todos os documentos, informações e materiais diversos sempre estiveram à disposição e, quando solicitados, foram devidamente encaminhados."

O advogado de Germano Lopes não se manifestou.

O Caminho da Lama


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