Folha de S. Paulo


Promotoria pede prisão de quatro acusados por estupro coletivo no Rio

Marcia Foletto /Agência O Globo
Adolescente que foi vitima de estupro coletivo no Rio chora no colo da mãe
Adolescente que foi vitima de estupro coletivo no Rio de Janeiro chora no colo da mãe

O Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou quatro pessoas por suspeita de participação no estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos no Morro da Barão, na capital fluminense, no último dia 21 de maio.

Os denunciados são Rai de Souza e Raphael Belo, ambos já presos temporariamente, além de Sérgio Luiz da Silva Júnior, conhecido como Da Russa e chefe do tráfico no morro da Barão, e Moisés Camilo de Lucena, vulgo "Canário", também ligado ao tráfico. Estes dois têm mandado de prisão e estão foragidos.

Caso a Justiça aceite a denúncia, os quatro se tornam réus no caso. Todos responderão por crime de estupro de vulnerável, com pena de até 15 anos. O responsável pela denúncia é o promotor Márcio Nobre, da Promotoria de Investigação Penal.

Rai de Souza, que é acusado de ter gravado dois vídeos que mostram o estupro da jovem, foi enquadrado também nos artigos 240 (registrar, por qualquer meio, cena pornográfica envolvendo criança ou adolescente) e 241-A (disponibilizar registro que contenha cena pornográfica envolvendo criança ou adolescente) do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Raphael Belo também vai responder pelo crime do artigo 241-A do ECA.

O MP afirma que "no dia 21 de maio, desacordada e sob efeito de álcool e substâncias entorpecentes, possivelmente cheirinho da loló, a vítima manteve relações sexuais com Raí". Posteriormente, com autorização de Da Russa, Canário a levou para "um local afastado 90 metros dali, conhecido como 'abatedouro'".

"Impossibilitada de oferecer resistência e ameaçada pelos criminosos armados, alguns deles ainda não identificados, tornou-se presa fácil e objeto de abuso de Rai, Raphael e Moisés, bem como de um adolescente', também integrante da quadrilha", diz o MP.

A denúncia afirma que a vítima "sofreu abuso por várias horas, até a noite seguinte, sempre de forma conjunta pelos denunciados". O promotor também identifica Raphael como o homem que aparece manipulando "de maneira debochada" as nádegas da vítima no vídeo que foi divulgado na internet.

Ele também teria "introduzido um batom em sua vagina", cena que foi registrada por Rai em um segundo vídeo, encontrado em seu celular. Segundo o MP, Rai transmitiu as imagens para um grupo de amigos por meio do aplicativo WhatsApp.

No fim, Da Russa determinou que a vítima fosse retirada dali "antes que morresse no local".

A Promotoria diz que um adolescente participou do crime, mas não foi denunciado por ser menor de idade. Ele, contudo, ainda pode responder por ato análogo a estupro de vulnerável.

Mais duas pessoas foram indiciadas por divulgar as imagens em redes sociais, mas não foram denunciadas pelo Ministério Público do Estado porque, de acordo com a Promotoria, a competência do caso é da Justiça Federal, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, uma vez que o Twitter, rede em que o vídeo foi divulgado, tem amplitude internacional.

A Polícia Civil havia concluído o inquérito que investigou o crime na sexta-feira (17), e pediu à Justiça a prisão de seis homens e apreensão de um adolescente.

Via-crúcis depois do estupro

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CRONOLOGIA DO CASO

21.mai.2016
1h - A adolescente de 16 anos vai a um baile funk no morro da Barão, na zona oeste do Rio, acompanhada de uma amiga; lá, já no fim da noite, encontra Rai de Souza, 22, e Lucas Perdomo, 20
7h - Os dois casais vão para uma casa abandonada e fazem sexo consentido –a vítima com Rai, a amiga com Lucas
10h - Lucas sai para levar sua acompanhante em casa e Rai também deixa o local; segundo depoimentos dos três, a vítima resolveu ficar. Sozinha, foi encontrada por traficantes e levada por um deles, Moisés Camilo de Lucena, o Canário, para a casa conhecida como "abatedouro", onde foi estuprada

22.mai.2016 - Após passar mais de 24 horas no "abatedouro", a vítima é encontrada na noite de domingo por Rai, que estava acompanhado de Raphael Belo, 41, e do traficante Jeferson, conhecido como Jefinho; os três e mais um quarto homem, não identificado, gravam dois vídeos em que abusam da jovem; ela é ajudada por um conhecido, apelidado Fubá, e liberada para voltar para casa

24.mai.2016 - A vítima fica sabendo que um dos vídeos, que mostram seu estupro, circula na internet e volta ao morro para falar com o chefe do tráfico, Sergio Luiz da Silva Junior, conhecido como Da Russa, e tentar reaver seu celular, que havia sido roubado

25.mai.2016 - A família da menina é avisada por um vizinho sobre a gravação. No vídeo, de 38 segundos, um grupo de quatro homens debocha da vítima e ao menos um deles toca nas partes íntimas da garota e diz que ela foi violentada por "mais de 30". Em 2009, a lei 12.015 foi alterada e passou a considerar como estupro, além da conjunção carnal, ato libidinoso, como o que é mostrado no vídeo

26.mai.2016 - A jovem presta o primeiro depoimento à polícia, é medicada em um hospital e faz exames no IML (Instituto Médico Legal), que não detectam material biológico ou marcas de lesão; policiais atribuem isso ao longo tempo decorrido entre o crime e o exame

27.mai.2016 - Ela presta mais dois depoimentos à polícia,assim como Rai de Souza, Lucas Perdomo e a jovem que os acompanhou na noite de sábado; a polícia localiza a casa em que o estupro aconteceu

28.mai.2016 - A então advogada da vítima, Eloísa Samy, pede à Promotoria do Rio o afastamento do delegado Alessandro Thiers. Segundo Samy, Thiers estava tratando o caso com "machismo e a misoginia"

29.mai.2016 - Pressionada, a Polícia Civil do Rio passa o comando das investigações à delegada Cristiana Bento, da DCAV (Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima); a pedido da família, a Defensoria Pública passa a defender a menina

30.mai.2016 - Polícia Civil realiza operação para prender seis suspeitos de participar do crime; Rai de Souza, 22, e Lucas Perdomo, 20, são detidos; o jogador seria liberado quatro dias depois, por falta de provas que sustentassem sua prisão

31.mai.2016 -A vítima e sua família entram no programa federal de proteção à testemunha, o que significa que a menina pode ganhar uma nova identidade e deixar o Rio; a polícia volta ao "abatedouro" e apreende dois colchões com manchas de sangue

1º.jun.2016 - Um terceiro suspeito se apresenta à polícia. Raphael Duarte Belo, 41, aparece no vídeo fazendo uma selfie ao lado do corpo da jovem

2.jun.2016 - Polícia Civil do Rio pede a prisão de mais dois homens: Moisés de Lucena, o Canário, e Jeferson, o Jefinho; ambos teriam estado com a vítima durante a gravação dos vídeos em que ela é estuprada. Com isso, passam a ser oito os suspeitos de envolvimento no crime

3.jun.2016 - O jogador de futebol Lucas Perdomo, 20, é liberado do presídio Bangu 10, no Rio, para onde havia sido encaminhado no dia anterior, após passar quatro dias em detenção na Cidade da Polícia. Segundo a delegada responsável pelo caso, não havia provas suficientes para que ele continuasse preso

5.jun.2016 - Depois de encontrar o celular de Rai na casa de um amigo dele, em Madureira (zona norte do Rio), a polícia examina o aparelho e descobre um segundo vídeo do estupro, além de fotos e gravações que incriminam o jovem de ligações com o tráfico

6.jun.2016 - A amiga da vítima, que esteve com ela e com os dois jovens no baile funk e na primeira casa, depõe novamente à polícia e reafirma sua versão de que houve sexo consensual entre a adolescente de 16 anos e Rai, e que a vítima ficou sozinha na casa depois disso

7.jun.2016 - Perícia conclui que há quatro vozes no primeiro vídeo sobre o estupro

8.jun.2016 - O delegado que investigou primeiro o caso, Alessandro Thiers, foi afastado da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática

17.jun.2016 - Polícia Civil conclui inquérito e pede à Justiça prisão de seis homens e apreensão de um adolescente por suspeita de participação no crime.


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