Folha de S. Paulo


Cesárea a pedido só será feita a partir da 39ª semana de gestação, diz CFM

Médicos só poderão realizar cesáreas eletivas, a pedido da gestante, a partir da 39ª semana de gestação, momento em que estudos apontam que há menos riscos ao bebê.

A medida faz parte de novas regras previstas em uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina), divulgada nesta segunda-feira (20), para realização de cesarianas no Brasil.

O documento prevê ainda que, caso a gestante opte por uma cesárea, ela deverá assinar um termo de consentimento livre e esclarecido em que afirma ter sido informada sobre os benefícios e riscos da decisão, "bem como sobre o direito de escolha da via de parto", informa o conselho.

Segundo a resolução, "é ético o médico atender à vontade da gestante de realizar o parto cesariano, garantida a autonomia do profissional, da paciente e a segurança do binômio materno fetal".

Christian Berthelot/BBC
Os primeiros segundos de um bebê nascido por cesárea
Os primeiros segundos de um bebê nascido por cesárea

Para o presidente do conselho, Carlos Vital, as novas regras visam assegurar tanto a segurança do bebê quanto o direito da gestante à cesárea. A definição do período da 39ª semana de gestação como limite mínimo para realização da cesárea eletiva pelos médicos segue estudo elaborado em 2013 pelo Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas. Na época, o grupo definiu que esse seria o marco das gestações a termo –ou seja, não prematuras. Antes, bebês que nasciam a partir da 37ª semana de gestação já eram considerados maduros.

Cesárea
Veja o que muda com a resolução do CFM

"A data da última menstruação é uma informação insegura. Ao fazer a cesárea a partir da 37ª semana, poderia estar fazendo de maneira muito precoce e com consequências nefastas ao feto. O amadurecimento fetal ocorre de maneira mais intensa nessas últimas semanas", diz Vital. "São desenvolvimentos delicados, do fígado, pulmão e até mesmo do cérebro."

Segundo ele, bebês nascidos antes deste período recomendado têm mais risco de apresentar problemas respiratórios, além de dificuldades para manter a temperatura corporal e se alimentar, entre outros danos.

CESÁREAS - Opção é predominante na rede privada (em %)

A fiscalização do cumprimento das medidas deve ser incluída entre as ações de monitoramento feitas pelas equipes dos conselhos regionais de medicina, por meio da observação de prontuários nas maternidades, por exemplo. Em caso de descumprimento, os conselhos podem adotar as medidas cabíveis, como advertência até a suspensão do registro profissional.

Em outro ponto, o CFM também estabelece a possibilidade do médico se recusar a atender o pedido da gestante, caso avaliar que a escolha do tipo de parto não é a mais segura diante das condições do bebê.

Questionado, membros do conselho negam que essa medida possa abrir brechas para que gestantes que buscam o parto normal deixem de ser atendidas, crítica frequente entre pacientes.

"O que o CFM quer é que se resguarde a autonomia da mulher brasileira. Ela tem o direito de escolher a que procedimento será submetida. E o médico tem o dever de explicar as consequências", afirma José Hiran Gallo, coordenador da câmara técnica de ginecologia e obstetrícia do conselho.

POLÊMICA

A discussão sobre a necessidade de regras para a realização de cesáreas já havia sido alvo de polêmica no último ano, quando o Ministério da Saúde e a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) lançaram medidas para conter a alta taxa desse tipo de parto na rede privada, na qual 84,6% dos partos são cirúrgicos. Na rede pública, o índice é de cerca de 40%.

As ações previam a possibilidade de que médicos e hospitais deixassem de receber dos planos de saúde caso não apresentassem um partograma, documento que registra a evolução do trabalho de parto, e, assim, não comprovassem que havia indicação de cesárea. Na época, o governo justificou a medida alegando que há um alto número de cesarianas desnecessárias, o que pode trazer riscos ao bebê.

A medida, no entanto, gerou reclamações de médicos e impulsionou o debate sobre o direito da gestante optar pelo tipo de parto.

Cesáreas em relação ao total de partos (em %)

"Forçar a mulher a suportar as dores do parto quando ela não quer suportar essas dores é fazer com que ela seja tolhida na sua autonomia. Fazer a cesárea só quando estiver na hora de nascer? Quando está para nascer, não há como fazer a cesárea. A hora de nascer é um conceito subjetivo, quando está maduro", diz Carlos Vital.

Após críticas, a agência elaborou um novo documento que voltou a liberar a realização das cesáreas feitas a pedido. Neste caso, gestantes deveriam assinar um termo de consentimento caso optassem pela cesárea.

A nova resolução do CFM, assim, reforça essa possibilidade –o que pode trazer impactos também no SUS, onde há maior incentivo a políticas de estímulo ao parto normal.

Questionado se a nova resolução do conselho não poderia estimular as cesáreas em detrimento dos partos normais, o presidente do conselho nega. E defende as medidas.

"A autonomia da mulher é hoje um instituto segmentado. Ela só tem direito se estiver na rede privada. Mas a autonomia é um direito constitucional", afirma. "O que ocorre na prática é que, com a falta de leitos na rede privada, os pacientes contratantes vão ter que fazer o parto no SUS. E dentro dessa área, com as dificuldades de demanda e falta de recursos suficientes, as dificuldades se estabelecem, inclusive para fazer uma cesárea quando necessária."

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O que muda com as novas regras do Conselho Federal de Medicina?
As regras determinam que os médicos podem realizar cesáreas eletivas –ou seja, agendadas– a pedido da gestante. O procedimento, porém, só pode ocorrer a partir da 39ª semana de gestação, com dados registrados em prontuário

Por que o conselho definiu o período de 39 semanas como limite mínimo?
Para o conselho, que se baseou em um estudo do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, esse é o período em que se inicia a gestação a termo, ou seja, quando o bebê já seria considerado mais maduro. Em alguns casos, também há dificuldade em se estabelecer a semana exata de gravidez, o que diminuiria os riscos de ter um parto prematuro

Quais os riscos para o bebê que nasce antes da 39ª semana?
Bebês que nascem antes do tempo estão mais suscetíveis a problemas respiratórios, além de dificuldades para manter a temperatura do corpo e se alimentar; a fase também é importante para completar o desenvolvimento do cérebro, pulmões e fígado

E se o bebê tiver alguma complicação ou a gestante entrar em trabalho de parto antes desse período?
As regras valem apenas para os casos de cesáreas agendadas e feitas a pedido da gestante. Nos casos em que houver a indicação médica, ou que a gestante optar pelo parto normal ao fim da gestação, não há mudanças previstas

Em que situações o parto por cesariana é recomendado?
Quando a gestante tiver complicações de saúde, como diabetes, ou se houver risco para o bebê (casos em que está sentado, por exemplo)

Como garantir que a cesárea foi opção da gestante e não do médico?
A resolução estabelece que, nos casos em que a gestante optar pela cesárea, ela deve assinar um termo de consentimento em que afirma ter sido informada das opções possíveis para o parto e estar ciente dos riscos do procedimento cirúrgico. Para o Ministério da Saúde a a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que lançaram em 2015 medidas para estímulo do parto normal, a realização de cesáreas "desnecessárias", sem indicação médica, aumenta o risco de problemas para a saúde do bebê e da mãe

E se o médico não concordar com a decisão da gestante?
A resolução do CFM prevê que, "se houver discordância entre a decisão médica e a vontade da gestante, o médico poderá alegar o seu direito de autonomia profissional e, nesses casos, referenciar a gestante a outro profissional"

Mas cesáreas feitas a pedido da gestante já não eram permitidas pelo conselho?
Embora resoluções anteriores já afirmassem que o médico precisa respeitar a autonomia do paciente, não havia uma regra específica para os casos de cesáreas feitas a pedido da gestante. Segundo Juvenal Andrade, da Febrasgo, havia um dilema ético sobre a questão, o que faz com que o novo texto que dê maior proteção ao médico

Haverá uma fiscalização dessas regras?
O conselho diz que a medida deve ser incluída na rotina das equipes de fiscalização do conselho, por meio da análise de prontuários nas maternidades

O que ocorre com o médico que não cumprir a resolução, como o prazo mínimo de 39 semanas?
Em caso de descumprimento, o caso deve ser analisado pelo CFM, que pode aplicar sanções que vão desde advertência até a suspensão do registro profissional, necessário para a prática médica. As medidas variam conforme a gravidade do caso

As regras podem estimular um maior número de cesáreas a pedido?
Para Juvenal Andrade, da Febrasgo, não há essa possibilidade. Para movimentos de defesa dos direitos da mulheres como o Artemis, no entanto, a medida deixa de incluir os médicos na discussão sobre a necessidade de reduzir a alta taxa de cesáreas no país, que chega a 85% dos partos nos planos de saúde. A taxa máxima recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 15%.

Fonte: Conselho Federal de Medicina


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