Folha de S. Paulo


Sem direito a visto, 4ª geração de japoneses tenta até casamento falso

Akira Ota (nome fictício), 27, comerciante, quer se mudar para o Japão. Quer tanto que está até disposto a se casar apenas para isso.

Como é bisneto de japoneses –da quarta geração, portanto– ele não tem mais direito ao visto de longa permanência, que permite viver e trabalhar no país.

Por isso, Ota está de casamento marcado com uma brasileira, neta de japoneses. Em troca do documento, ele irá pagar R$ 1.200 por mês à mulher quando chegarem ao Japão, por três anos, até a primeira renovação do visto.

Adriano Vizoni/Folhapress
SAO PAULO - SP - BRASIL, 15-06-2016, 11h00: IMIGRACAO JAPONESA. Integrantes da quarta geracao de imigrantes japoneses não conseguem tirar visto para trabalhar no Japao. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO FSP***
Integrantes da 4ª geração de imigrantes japoneses não conseguem tirar visto para trabalhar no Japão

Para convencer o consulado, o casal tem até um álbum de fotos no Facebook, que inclui festas falsas com parentes e beijinhos. "Nos encontramos pouco, só pra fazer as fotos", conta o comerciante. "Minha meta é ir para o Japão. Encontrei um meio de conseguir, talvez o único", diz. "No Japão, o plano é cada um ter sua vida e sua casa separadas. É um acordo mesmo."

Assim como o comerciante, outros yonseis brasileiros ("yon" quarta e "sei" geração) têm encontrado as portas do país de seus antepassados fechadas. A última mudança na legislação japonesa para facilitar a entrada de brasileiros descendentes de imigrantes foi na década de 1990, quando a economia do Japão estava aquecida e precisava de mão de obra. Foi então aprovada portaria que estendeu os direitos de cidadania à terceira geração.

O cenário mudou radicalmente a partir de 2008, quando a economia do país entrou em recessão, e a entrada dos imigrantes ficou mais complicada. "Os empregadores passaram a exigir fluência em japonês dos imigrantes, o que não acontecia antes", diz o advogado Masato Ninomiya, que lidera o movimento pelo reconhecimento dos yonseis brasileiros pelo governo japonês.

Entidades ligadas à comunidade japonesa no Brasil preparam um documento que será entregue ainda neste mês ao embaixador do Japão pedindo a inclusão dos yonseis na lista dos imigrantes que têm direito ao
visto de longa permanência.

Segundo o advogado, a esperança é que as obras públicas previstas para a Olimpíada de 2020 em Tóquio aqueçam o mercado de trabalho no país e facilitem a entrada dos imigrantes.

A atendente Christyellen Oji, 18, também sofre por ser yonsei. Ela conta que morou durante seis anos na província de Shiga, para onde se mudou ainda criança com a mãe. Há sete anos, elas tiveram que voltar ao Brasil e, desde então, Christyellen tenta tirar o visto de longa permanência para retornar ao país que considera seu lar. "A minha casa é no Japão e essa espera é desesperadora."

A espera também é angustiante para o microempresário Herbert Sizilo, 27. Ele tenta migrar desde 2009 para o Japão, onde mora toda a sua família. "Saí de lá em 2008 por causa da crise para tentar abrir meu negócio no Brasil. Hoje, me arrependo e quero voltar."

Assim como ele, outros bisnetos de imigrantes japoneses recorrem às agências de viagem que fazem a ponte entre o consulado e os imigrantes para emitir os vistos. "Recebo quase todos os dias jovens que têm bisavôs japoneses mas não conseguem o visto para morar no Japão", diz o agente Cori Passos.

A estudante Bruna Mayumi, 16, é uma de suas clientes que aguarda a permissão para ir morar com a mãe, que vive no Japão. Atualmente, ela vive com a avó em São Paulo. "Fico ansiosa, quero estudar e fazer a minha vida no Japão."

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CRONOLOGIA

Primeira leva de imigrantes japoneses desembarcou no Brasil há 108 anos

1803 - Chegada
Os primeiros japoneses que vieram ao Brasil foram quatro sobreviventes do barco Wakamiya Maru, que afundou na costa daquele país. Eles foram resgatados por um navio russo, que os trouxe à atual Florianópolis

1874 - 1º brasileiro
O cientista Francisco Antônio de Almeida foi o primeiro brasileiro a pisar no Japão. Ele participava de uma missão francesa para observar o planeta Vênus –os melhores pontos de observação estavam na China e no Japão

1895 - Acordo
O Tratado de Amizade, Comércio e Navegação foi assinado em 5 de novembro de 1895, em Paris. O Brasil pós-escravatura queria receber mão de obra imigrante para as fazendas de café. O Japão, que já tinha alto índice demográfico e de desemprego, queria realocar sua população

1908 - Desembarque
A primeira leva de imigrantes chegou em Santos (SP) às 9h do dia 18 de junho, após 52 dias de viagem no navio Kasato Maru. Foram 781 pessoas de 165 famílias

1973 - Último navio
O Nippon Maru atracou no porto de Santos no dia 27 de março. Foi a última leva de imigrantes japoneses a chegar ao país, com 285 pessoas

1990 - Sinal verde
Em 1º de junho, entrou em vigor a reforma na Lei de Controle de Imigração Japonesa, que autorizou a emissão de visto de residência de ao menos três anos aos descendentes de japoneses de 2ª e 3ª gerações

2008 - Centenário
Eventos nos dois países festejaram os cem anos da imigração. O ano, porém, marcou o início da crise mundial, que afetou gravemente o Japão e fez muitos decasséguis (descendentes que haviam retornado àquele país) voltarem ao Brasil


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