Folha de S. Paulo


Arte e cultura podem transformar estigma da periferia, diz antropóloga

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A cultura como forma de afirmação e de cruzar fronteiras sociais e simbólicas da periferia foi o tema da mesa "Conexões culturais: encontros e desencontros na cidade" do seminário internacional Cidades e Territórios: Encontros e Fronteiras na Busca da Equidade, realizado por meio de uma parceria entre a Folha e a Fundação Tide Setubal, nesta terça (14), na sede da Fecomércio, região central da capital.

As expressões artísticas e culturais são uns dos principais meios usados pelos jovens para transformar o estigma da periferia (traduzido em exclusão social) em emblema para autoafirmação, afirmou Regina Novaes, antropóloga e consultora de políticas públicas.

Além de Novaes, participaram da mesa Ronaldo Almeida, professor de antropologia da Unicamp, e Robinson Padial, poeta e coordenador do Sarau do Binho. A mediação foi de Eliane Trindade, editora do "Empreendedor Social", da Folha.

Ao lado dos dois acadêmicos, Padial, o Binho, apresentou sua experiência de forma mais poética. Sua apresentação foi a interpretação da poesia "Campo Limpo, Taboão, Capão", de sua autoria.

"No lugar em que nasci/Sonhava que era tudo nosso", diz o poema, traduzindo o desejo dos jovens da periferia de se apropriarem e afirmarem seu espaço na cidade.

Brincando com as palavras, Binho resumiu uma das características que marca a sua forma de atuação e a dos seus pares.

"Na periferia, o singular é coletivo. Nosso plurais são singulares. 'É nóis'!", disse o poeta.

A expressão artística como autoafirmação foi um tópico recorrente. "Ser periférico é estar em situação de desigualdade que exige criatividade para lidar com essa desvantagem", disse Almeida.

Novaes apontou que os movimentos estéticos e políticos dos jovens da periferia, principalmente a partir dos anos 1990, fizeram grandes conquistas, mas que também geraram novas contradições.

"Percebo uma pontinha de intolerância. A afirmação identitária é tão forte que corta a possibilidade de diálogo", afirmou ela.

A antropóloga lembrou ainda de conquistas a serem feitas, como uma nova política de drogas, descriminalizando o consumo, e uma revisão ampla do sistema policial. São temas recorrentes nas expressões artísticas originadas nas periferias, mas que dizem respeito à juventude do país em geral, segundo Novaes.

Para Almeida, as manifestações de autoestima, de ter orgulho de sua identidade sem aceitar a condição de desigualdade são positivas, mas ainda falta o "outro lado".

"É preciso que as pessoas que estigmatizam esses jovens rompam essa barreira. É isso que ainda não mudou neste país", disse o professor de antropologia.


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