Folha de S. Paulo


DEPOIMENTO

'Escorou no meu carro e tombou', diz testemunha-chave de acidente

Arquivo Pessoal
Cezar Donizetti Vieira, 54, que testemunhou acidente com ônibus na noite de quinta; ele dirigia carro atingido pelo ônibus
Cezar Donizetti Vieira, 54, que testemunhou acidente com ônibus na noite de quarta-feira (8)

Uma testemunha-chave do acidente da noite de quarta-feira (8) na rodovia Mogi-Bertioga disse à Folha que o ônibus com estudantes tentou ultrapassá-lo antes de perder o controle, tombar, deslizar e bater em uma pedra.

Gerente de um depósito de material de construção em Bertioga, Cezar Donizetti Vieira, 54, dirigia um Prisma branco, também rumo ao litoral, quando foi atingido pelo ônibus em uma curva.

"Ele ficou tentando me ultrapassar, me jogando para fora da pista. Só que ali só cabe um, amigo." Ele diz não ter ouvido barulho de freio e não sabe palpitar se houve falha mecânica ou humana.

Vieira só soube da extensão da tragédia na sede da Polícia Rodoviária de Bertioga, ao ouvir, pelo rádio da base, as equipes de socorro dizendo "mais um" [morto]. Horas depois, não conseguia ligar a TV para não ter que lidar com algo que viu tão de perto.

A seguir, o depoimento dele à Folha, dado por telefone, nesta quinta (9).

*

Tinha ido para Araraquara resolver um problema familiar e estava voltando, com a minha mulher e minha irmã [para Bertioga]. Estava atrás do ônibus. Fiquei atrás dele para usar como ponto de referência por causa da cerração. Não dava para ver nada nessa hora na estrada.

O ônibus estava andando bem, acima de 80 km/h, perto de 90 km/h. Dava para ver que o motorista conhecia bem, porque, quando chegava perto dos radares, freava.

Aí chegou ao "tobogã" [trecho de subidas e descidas um pouco antes da serra] e ultrapassei ele. Quando acabou o "tobogã", começou o trecho de serra. E aí a neblina passou. Ficou limpinho.

Era uma pista só para descer [a serra no sentido Bertioga]. Já na serra, eu tinha feito uma curva à esquerda, depois tinha uma pequena reta para pegar uma curva à direita.

Nessa reta, eu vejo dois faróis grandes atrás de mim. Pensei: "Esse cara está andando bem". Até então, não tinha conseguido identificar que era o ônibus dos estudantes.

SÓ CABE UM

Quando chegou na curva, reduzi a velocidade e ele me empurrou para a direita, forçando, tentando ultrapassar, querendo ficar sozinho na curva. Só que ali só cabe um [automóvel], amigo.

Ele foi me jogando para fora da pista, se escorou no meu carro, mas não tem acostamento do lado direito. É um pedacinho de pista e depois abismo. Minha mulher e minha irmã começaram a gritar.

Vi ele me usando como apoio. Não só vi, como senti. Ele então ultrapassou, derrapou e começou a balançar de um lado para o outro, como se fosse uma bicicleta. Balançou para a direita, esquerda e depois tombou.

Vi o ônibus deslizando e batendo. Não sabia na hora que tinha sido na pedra. Pensei que tivesse caído em um buraco, porque a parte de cima [do ônibus] sumiu.

Não ouvi barulho... nem de freio nem de freio a motor. Só um arranhado de lataria [ônibus] no chão.

Com a batida, começou a voar carenagem do ônibus. Uma veio em cima do meu carro e consegui desviar.

Não sabia o que tinha acontecido com o ônibus. Agradeci a Deus na hora.

Fui tentando parar o carro, mas não tinha onde parar. Pensei: "O que vou fazer agora?" Peguei meu celular, estava sem bateria. O da minha mulher, sem bateria.

Na rodovia, ninguém parava. Liguei o pisca-alerta, desci, acenei, nada. Decidi ir à Polícia Rodoviária [alguns quilômetros abaixo].

Antes, encontrei um carro do DER [Departamento de Estradas de Rodagem]. Falei: "Amigo, tombou um ônibus, pede socorro". Na base da polícia, depois que o policial [que o atendeu] começou a acionar o socorro... foi aí que percebi a tragédia real.

PROBLEMA

Vendo o que aconteceu, não tinha como aquele ônibus estar naquela velocidade naquela curva –de ônibus, era descer e capotar. Ali é área para se andar a 50 km/h, e ele parecia estar a mais.

A serra estava tranquila. Tão tranquila que, na descida para ir à Polícia Rodoviária, não encontrei ninguém.

Algum problema tinha –e sério. Ou talvez o cara [motorista] estava louco mesmo, ou dormiu. Não sei.

Sou motorista desde 1986, já dirigi caminhão, nunca me envolvi em acidentes em toda a minha vida. Eu consigo identificar o sinal de um carro que quer ultrapassagem.

Depois que cheguei à base da polícia, levei minha mulher e minha irmã para casa e voltei. O policial disse que precisava de mim para relatar o que aconteceu.

Fiquei lá das 23h às 6h50. 7h. Eu só ouvia no rádio da polícia "mais um" [morto], "mais um". Depois dormi dentro do carro. Estava muito frio, não tinha nada para comer, fiquei lá sozinho. Um amigo levou um lanche para mim, me abraçou –conheço muita gente.

Hoje não consegui ver nada do acidente na TV. Não quero saber de nada. Só vinha na mente o que visualizei. Se mais cedo, pedissem para me relatar, só chorava. Agora [por volta das 18h] é que estou conseguindo.

Meus sinceros sentimentos a todos os familiares das vítimas –confira o perfil das vítimas.
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