Folha de S. Paulo


Secretário da Segurança de SP diz que crise econômica contribui com estupro

Danilo Verpa/Folhapress
O secretário da Segurança do Estado de SP, Mágino Alves Barbosa Filho
O secretário da Segurança de SP, Mágino Alves Barbosa Filho, em entrevista à Folha em maio

Para o secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho, a crise econômica contribui para a ocorrência de casos de estupro.

"Infelizmente esse crime [estupro], como outros, é um pouco da consequência dessa crise que estamos vivendo", disse Barbosa, em entrevista publicada nesta sexta (3) no jornal "O Estado de S. Paulo".

Procurado pela Folha, Mágino disse avaliar que a situação econômica é um dos fatores que podem levar a estupros, embora não necessariamente o principal. A tese é rebatida por especialistas.

"Não falei que é a crise que está norteando a prática de estupros. Eu disse que uma das possíveis causas pode ser isso, fiz questão de frisar isso", afirmou Mágino. "Pra você imaginar o que leva alguém a praticar esse crime, você tem que imaginar que tem algum estopim pra isso."

Na entrevista, o secretário disse que "muita gente cai em depressão porque perdeu emprego e começa a beber. E aí termina perdendo a cabeça e praticando esse tipo de delito. Não estou falando que é a principal causa, mas uma das causas com certeza é essa aí".

Mágino assumiu a pasta da Segurança do governo Geraldo Alckmin (PSDB) no mês passado, depois de o secretário anterior, Alexandre de Moraes, ser convidado para o Ministério da Justiça do presidente interino, Michel Temer (PMDB). A declaração do secretário ocorre em meio à repercussão nacional do estupro de uma menina de 16 anos no Rio.

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O novo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho
O novo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho

'DESPREPARO'

Especialistas ouvidos pela Folha disseram não conhecer correlação entre crimes de violência sexual e o cenário socieconômico.

Para Heloisa Buarque de Almeida, professora de antropologia na USP, as declarações do secretário mostram "despreparo e desinformação muito grande". Heloisa diz que não é possível afirmar se esse número está aumentando –até por ser um crime em que as vítimas são constrangidas a não denunciar.

Segundo Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a associação entre ciclos de desigualdade e desequilíbrio econômico é aplicável apenas a crimes como roubos e furtos.

"Até porque ricos e pobres estão sujeitos", diz. "Boa parte dos estupros acontece entre pessoas que se conhecem, como ele mesmo disse." O secretário havia citado na entrevista que "70% dos casos são cometidos por alguém que a vítima conhece". O caso no Rio é um exemplo de pessoas que conhecem a vítima –a vítima é apontada como namorada de um dos suspeitos.

João Manoel Pinho de Mello, professor do Insper, diz ter entendido a fala de Mágino "muito mais como especulação do secretário do que baseada em algum estudo".

Para Pinho de Mello, em épocas de crise econômica aguda, aparentemente há um ligeiro aumento em casos de violência doméstica, que também é pouco denunciada.

"A violência doméstica não é economicamente motivada como furto e roubo de automóvel, mas tem alguma relação, como mecanismos de tensão e frustração, desemprego. Mas é violência doméstica. Daí a falar que tem estupro por causa da crise é forçar bastante", afirma. "Não tem nada que corrobore isso."

SOLUÇÕES

Renato Sérgio de Lima diz que aumentar o efetivo policial na rua não é uma solução para esse tipo de crime. "O que tem que fazer é investigação, acolher a mulher vítima para que ela se sinta segura para denunciar", diz Lima, que é professor na FGV.

Heloisa concorda, e diz haver a "urgência" de um melhor atendimento às vítimas. "Quando a mulher chega na delegacia, a primeira coisa que se faz é duvidar da palavra dela", diz.

"Teríamos que ter mais delegacias (da mulher). E que abrissem de final de semana, com psicólogo, assistência social, um melhor preparo", afirma a pesquisadora, que integra a Rede Não Cala, de professoras da USP, pelo fim da violência sexual e de gênero na universidade. No Estado, as delegacias da mulher só ficam abertas das 9h às 17h, de segunda a sexta. "E a maior parte dos estupros são à noite ou no final de semana".

Heloisa diz ainda saber de duas histórias de meninas nas imediações da USP que foram estupradas por PMs. "Então não tem nada a ver com desemprego, como ele (Mágino) pode dizer."

Segundo a professora, as políticas tem que ser preventivas. "Uma pena mais pesada não vai fazer com que o crime deixe de acontecer". No início desta semana, o governador em exercício do Rio defendeu a pena de morte para o estupro. No dia seguinte, avançou no Congresso um projeto de lei que amplia a pena para estupro coletivo.

EDUCAÇÃO

Para reduzir a incidência desse tipo de crime de maneira considerável, Heloisa defende reformas estruturais. "A primeira coisa (a ser implementada) é a educação de gênero na escola. Precisa ensinar os meninos, mudar essa coisa de que menino não pode chorar, que embrutece."

Para ela, é preciso mudar conceitos enraizados na sociedade, como o de que as pessoas "veem as mulheres como se existissem dois tipos, as santas e as vagabundas".

"Estupro não tem a ver com desejo sexual, mas com desejo de posse, de dominação. É urgente mudar como a mulher é tratada na mídia. A novela perpetua situações como a em que o homem insiste, a menina diz não e ele continua insistindo até conseguir", diz, acrescentando que esta é uma visão ultrapassada, como se a mulher quisesse mas negasse apenas para não ser vista como "vagabunda". "Isso é coisa de 50 anos atrás", critica.

Heloisa aponta ainda problemas como a exploração do corpo feminino na mídia e uma hiperssexualização da mulher negra, "como a mulata Globeleza". "E não é só falar (nas escolas) de sexualidade, de LGBT, mas também da desigualdade de gênero, da divisão de trabalho doméstico, da desigualdade salarial", afirma a professora.

"Só que nesse momento a gente vive um momento muito assustador, em que o ministro da Educação recebe o Alexandre Frota, que é um estuprador declarado", diz. Ela faz referência a um episódio contado pelo ator em que afirma ter feito sexo com uma mãe de santo, mesmo após tê-la feito desmaiar.

A pesquisadora lembra ainda que meninos também sofrem violência sexual, "especialmente quando são feminilizados. E tem ainda transsexuais, que sofrem violências brutais cotidianamente". "São múltiplas as causas (que reforçam a cultura de estupro)".


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