Folha de S. Paulo


PM faz operação e detém suspeito de ter participado do estupro coletivo

Um dia após localizar a casa em que uma adolescente de 16 anos foi estuprada, a Polícia Militar voltou neste sábado (28) ao morro da Barão, em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio. Um suspeito de ter participado do estupro foi detido e levado para a delegacia que investiga o caso, onde seria ouvido. Seu nome não foi divulgado.

A Polícia Militar afirmou que, quando os agentes entraram no morro, criminosos os receberam a tiros, iniciando um confronto que teria sido breve e sem vítimas.

A investigação teve início após um vídeo da jovem, nua e desacordada, ter sido postado nas redes sociais na terça (24). Na gravação, um grupo de homens, em meio a risadas, toca nas partes íntimas da garota e diz que ela foi violentada por "mais de 30". Em 2009, a lei foi alterada e passou a considerar, além da conjunção carnal, atos libidinosos como crime de estupro.

A partir disso, internautas e autoridades em geral manifestaram indignação, prestaram solidariedade à vítima e se mobilizaram para denunciar os suspeitos do crime.

Vídeo da Polícia Civil

Vídeo da Polícia Civil gravado na casa onde aconteceu o estupro

Neste sábado, após reclamações de Eloísa Samy, advogada da vítima, que acusou o delegado responsável pelo caso de "machismo" e de estar "criminalizando a menina", o Ministério Público do Rio afirmou que acompanhará de perto a investigação policial.

A Promotoria quer entender por que a jovem foi submetida a dois depoimentos no mesmo dia, após já ter sido ouvida pela polícia na madrugada de quinta (26). Na sexta (27), o chefe da Polícia Civil, Fernando Veloso, designou dois delegados para o caso: Alessandro Thiers, de Crimes de Informática e agora sob críticas da defesa da menina, e Cristiana Bento, da Delegacia de Criança Vítima.

No fim da tarde, a delegada tomou o testemunho da adolescente, acompanhada de um policial psicólogo. Ao longo de duas horas, a vítima detalhou, em depoimento livre, o que aconteceu, voltando a confirmar ter acordado, nua, diante de 33 homens.

Segundo a Folha apurou, a menor estava muito nervosa e enjoada devido ao coquetel de medicamentos contra doenças sexualmente transmissíveis que foi obrigada a tomar. Após intervalo de dez minutos, a jovem iniciou novo depoimento. Dessa vez, ouvida pelo delegado Thiers e mais dois inspetores.

Gabriel de Paiva - 26.mai.2016/Agência O Globo
Adolescente, vítima de estupro coletivo, deixa hospital ao lado da mãe, no Rio
Adolescente, vítima de estupro coletivo, deixa hospital ao lado da mãe, no Rio

"O primeiro comentário dela [menina] foi que havia muitos homens na sala. Ela ainda se incomoda com a presença de muita gente em local fechado", disse a advogada Eloísa Samy, que questionou a forma como sua cliente foi interrogada por Thiers. "O delegado perguntou se a menina de 16 anos, vítima de estupro coletivo, tinha por hábito fazer sexo em grupo."

Ainda na noite de sexta, ao falar à imprensa após colher o depoimento da vítima, o delegado Thiers afirmou que a advogada da menina interrompeu o testemunho de sua cliente. "A partir do momento em que a polícia perguntou se ela [a vítima] havia sofrido algum tipo de ameaça das pessoas que estavam lá, se ela conhecia os traficantes locais, ela [a advogada] entendeu por bem que não convinha falar sobre isso."

A advogada agora pede que o delegado seja afastado do caso. Procurado pela Folha, o delegado não retornou os contatos.

"Tive conhecimento disto agora pela manhã [de sábado, 28]. Vamos verificar o que aconteceu e conversar com o colega que tem atribuição sobre o caso. É preciso muito cuidado para não aumentar o dano à jovem", disse Lúcia Iloízio, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Violência Contra a Mulher do Ministério Público do Rio.

A advogada da adolescente e o delegado responsável pelo caso já haviam sido antagonistas em 2014, quando ela defendia manifestantes acusados de atos violentos durante os protestos populares. Ela chegou a ser presa temporariamente pelo delegado, sob acusação de associação criminosa. À época, a advogada negou ter participado de atos de violência nos protestos.

Em nota, a Polícia Civil afirmou que a investigação "tem sido feita de forma integrada pelas duas delegacias especializadas –Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) e Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV)– para realizar apuração do crime". "A investigação é conduzida de forma técnica e imparcial, na busca da verdade dos fatos, para reunir provas do crime e identificar os agressores, os culpados pelo crime."

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), atendendo a convite da Polícia Civil, vai designar representante para acompanhar a investigação.

SEM PRISÕES

A advogada da garota estuprada também questionou a decisão do delegado de não pedir as prisões dos quatro suspeitos de participação no crime. "Ninguém dá valor à palavra da mulher. É óbvio que é machismo", afirmou a advogada à Folha. "Ele criminaliza a menina. Queriam que ela tivesse filmado o próprio momento do estupro para dizer que houve estupro?"

Após os depoimentos, o delegado afirmou não haver subsídios para pedir a prisão de suspeitos nem para assegurar que houve realmente o crime de estupro. De acordo com a advogada, um dos rapazes que prestaram depoimento pediu desculpas à menina, chorando.

Em uma postagem na madrugada deste sábado (28) em seu perfil no Facebook, a adolescente reagiu a comentários de pessoas que a acusam de estar procurando exposição com o caso. "Não, eu não quero mídia, não, não fui eu que postei fotinha, muito menos vídeo! Então parem de me culpar, quem errou e procurou não fui eu!! A culpa nunca é da vítima... ninguém culpa quem foi assaltado por estar na rua com o celular", escreveu.

ASSISTÊNCIA

A menina vítima de um estupro no Rio recebeu em seu apartamento, em Jacarepaguá, zona oeste, duas assistentes sociais da Prefeitura na manhã deste sábado (27). A visita durou cerca de uma hora.

Após conversar com as assistentes sociais, ela foi levada para um apartamento em um condomínio de classe média alta em frente à praia da Barra da Tijuca, também na zona oeste, que seria de uma parente dela.

O trajeto foi feito em uma Kombi do conselho tutelar. Nela, estavam um homem e uma mulher, que seriam pai e mãe da vítima, e duas crianças, que seriam irmão e filho da menina, além das assistentes e do motorista.

Mais cedo, a advogada da menina, Eloisa Samy, afirmou, por telefone, que a mãe de sua cliente estava com medo de sofrer represálias dos envolvidos no caso. Ela confirmou ainda que vai aceitar proteção policial oferecida pelo secretário de Segurança, José Beltrame.

Antes de a vítima deixar o apartamento, a reportagem ouviu Viviane Pereira, amiga e vizinha da menina, que prestou solidariedade a ela depois do ocorrido.

Viviane contou que ligou para a jovem e a convidou para voltar à Igreja Evangélica Videira, em Jacarepaguá, que as duas frequentavam juntas há um tempo atrás.

Mas, segundo Viviane, a amiga disse que por enquanto não pode sair de casa. "Ela está abalada para caramba. Ofereci ajuda. Chamei para ir ao culto. Ela disse que não poderia, mas agradeceu", afirmou.


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