Folha de S. Paulo


Combate ao crack deve se separar de revitalização do centro, diz especialista

Stefano Maccarini/Folhapress
Maurício Fiore, coordenador da Plataforma Brasileira de Política de Drogas; Vaguinaldo Marinheiro, mediador do debate; Guilherme Wisnik, arquiteto, urbanista e colunista da Folha e Marta Arretche, diretora do Centro de Estudos da Metrópole, durante debate (da esq. para dir.)
Maurício Fiore, coordenador da Plataforma Brasileira de Política de Drogas; Vaguinaldo Marinheiro, mediador do debate; Guilherme Wisnik, arquiteto, urbanista e colunista da Folha e Marta Arretche, diretora do Centro de Estudos da Metrópole, durante debate (da esq. para dir.)

A recuperação de dependentes de crack deve estar separada dos projetos de revitalização do centro de São Paulo. A afirmação é de Maurício Fiore, antropólogo, diretor do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e coordenador da Plataforma Brasileira de Política de Drogas.

Ele participou nesta quinta-feira (19) de debate promovido pela Folha e a Fundação Tide Setúbal, em São Paulo, para discutir a ocupação do centro da cidade.

Para Fiore, associar as políticas de ocupação do centro à recuperação de dependentes químicos é uma "cortina de fumaça" para a expulsão de moradores de rua da área. "No fundo, é muito fácil, quando você mistura essas duas coisas, pensar em higienização", declara.

O antropólogo afirma que o mais importante é fornecer alternativas para que os usuários de drogas diminuam o consumo. Ele cita os programas Braços Abertos, da Prefeitura de São Paulo, e o Recomeço, do governo do Estado.

Os dois programas têm abordagens diferentes. Para Fiore, o municipal, que procura manter os dependentes na área central, mostra mais resultados do que a iniciativa estadual, que encaminha os usuários de drogas para comunidades terapêuticas.

No entanto, segundo o antropólogo, a prefeitura precisa ser mais clara com os dependentes químicos sobre o que precisam fazer para se afastar do consumo de drogas ao aderir ao Braços Abertos. "A requalificação não é do espaço, mas da vida das pessoas", declara.

Além do diretor do Cebrap, participaram do debate, o arquiteto, urbanista e colunista da Folha, Guilherme Wisnik, e a cientista política e diretora do Centro de Estudos da Metrópole, Marta Arretche. A discussão foi mediada pelo jornalista Vaguinaldo Marinheiro.

Morador da região central, Fábio Fortes estava entre o público que assistia à roda de conversa, realizada no auditório da Folha, no centro de São Paulo. Ex-presidente do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) da Santa Cecília e Campos Elíseos, ele criticou os dois programas voltados aos dependentes químicos.

"A segurança pública está de braços cruzados. É uma realidade dura para quem mora [na região]", diz. Segundo ele, os programas de tratamento de dependentes químicos "blindam a delinquência" no centro da cidade. "A região parece a Faixa de Gaza. Os traficantes mandam nos programas", afirmou.

A aparição de conflitos, como esses entre moradores e usuários de droga, no entanto, é da natureza dos espaços públicos e do centro da cidade em especial, segundo Wisnik. "Na hora que as pessoas começam a usar [as áreas], os conflitos surgem. A sociedade é conflituosa e desigual", afirma.(

De acordo com o urbanista, outros exemplos de conflitos no centro são a disputa sobre qual será o destino do Minhocão —se será demolido ou se tornará um parque— e os desentendimentos entre skatistas e moradores na Praça Roosevelt.

"Desde que inaugurou a praça [em 2012, após a reforma], é só briga entre famílias e aqueles que frequentam o local. Mas esse conjunto de conflitos é fantástico", disse.(

O arquiteto acredita que essa dinâmica está relacionada com a mudança no uso que as pessoas fazem da cidade. "Esse momento coincide com a vontade da sociedade em querer efetivamente construir um espaço público", afirma.

Segundo Arretche, as características espaciais do centro da cidade favorecem que conflitos do tipo se tornem mais evidentes. Ela diz que "as disputas se manifestam de maneira mais visível" no dia a dia dos moradores da região.

A cientista política também disse que o centro é uma área em que a desigualdade é atenuada, devido à oferta de serviços públicos. "Qualidade de vida não é só renda. Alguém com renda média em Belém, no Pará, está pior do que uma pessoa de renda baixa no centro de São Paulo", afirmou.

A discussão foi a quarta roda de conversa sobre questões relativas à desigualdade urbana. As reflexões levantadas serão levadas ao seminário internacional Cidades e Territórios: Encontros e Fronteiras na Busca da Equidade, que acontece em 14 de junho na Fecomercio.

O evento, com a presença de especialistas internacionais como Saskia Sassen e Choukri Ben Ayed, é gratuito. Para fazer sua inscrição, visite o site Eventos Folha.

Para mais informações sobre a programação da série de eventos, acesse folha.com/cidadeseterritorios


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