Folha de S. Paulo


É difícil policial se conter diante de rojões e cusparadas, diz secretário

Recém-nomeado no lugar de Alexandre de Moraes, que assumiu o Ministério da Justiça, o secretário Mágino Alves Barbosa Filho (Segurança Pública) diz ser muito difícil para um policial "se conter" diante de provocações e agressões em protestos de rua.

Em entrevista à Folha, ele criticou a legislação penal e disse ser possível "disciplinar melhor as corporações" para evitar mortes em confrontos. A seguir, a entrevista, em seu gabinete, no centro de São Paulo.

Danilo Verpa/Folhapress
O novo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho.
O novo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho

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Folha - Na sua posse, o sr. disse que tem alma de coronel e alma de delegado. O que é ser secretário com essas duas almas?
Mágino Alves Barbosa Filho - Eu quis dizer que, para você dirigir a Secretaria da Segurança, você tem pensar como policial também. É isso. Não quer dizer que o secretário vai prender alguém, vai investigar alguém. Mas ele tem que pensar como integrante das duas polícias. Vou procurar agregar as nossas polícias. Vou pensar com a cabeça de policial, com cabeça de gestor, mas não agindo como policial. Não sou policial. Sou um gestor.

Essa afirmação não pode ser interpretada com uma questão corporativista? O sr. fala de coronéis e delegados, sem falar de praças e outros cargos da Polícia Civil.
Então surgiu uma boa oportunidade para corrigir isso. Quis dizer que chego com alma de policial, pensando desde o praça até o coronel, pensando desde o agente policial até delegado-geral.

Como lidar com índices preocupantes de letalidade [mortes em confrontos com a polícia], além de casos de policiais encapuzados que matam por vingança?
Nós estamos falando em gerir um corporação gigantesca. Aproximadamente 125 mil homens. Quando está falando de um número desses, é impossível você imaginar que tudo vai dar certo. Todos os homens são de caráter reto, são imbuídos das melhores intenções? Não. Óbvio que não. Mas, felizmente, estamos falando de uma parcela ínfima das nossas polícias que tem algum desvio de conduta.

Mas não dá para resumir isso como um problema pequeno.
Não. Não é razoável falar que qualquer desvio é um pequeno problema. É um grande problema. Nós temos criar mecanismos mais eficientes para coibir esses desvios. Agora eu não tenho compromisso em aceitar nenhum desvio. Nenhum desvio é razoável. A letalidade vem sendo controlada. Ela diminuiu. Mas, se você perguntar se eu estou satisfeito, lógico que não estou.

Danilo Verpa/Folhapress
O novo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho
O novo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho

O que é possível fazer?
Tem que disciplinar melhor as corporações. Você tem que difundir ideias que possibilitem o exercício de uma polícia enérgica, mas com padrão de eficiência que leve a uma menor letalidade. Só que isso é muito difícil, porque você não pode exigir que um policial, com o nível de confronto que existe hoje, que ele simplesmente se acovarde ou que ele não reaja. Isso não pode. Isso é impossível. O que dia em que a polícia perder esse sentido, que ela tem que dar uma pronta reação, acho que aí a gente vai ter um sério problema.

Além da letalidade [morte em confronto], há os homicídios praticados por policiais.
A letalidade a gente tem mecanismos próprios das instituições para resolver. Agora, o homicídio praticado por policiais, esse é mesma coisa que um homicídio praticado por um promotor, pelo juiz, pelo jornalista, pelo médico, pelo padre.

Mas não tem o que fazer?
O homicídio, pura e simplesmente, o homicídio é um crime que, vocês sabem melhor do que eu, você tem muita dificuldade para evitar.

O que dizer das chacinas em Osasco e Carapicuíba ?
Isso não é letalidade. Isso é homicídio. Isso é crime praticado por bandido. Bandido da pior da espécie, que é o bandido fardado.

Pode estar havendo conivência nos quartéis para esse tipo de crime, de homicídio?
Não, não acredito. Pode ser que pontualmente, a gente possa ter uma coisa ou outra. A investigação que foi feita ela não apontou para essa conivência. E ela foi uma investigação exaustiva.

Danilo Verpa/Folhapress
O novo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho
O novo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Mágino Alves Barbosa Filho

Policiais também estão sendo mortos de forma covarde, sem farda, de folga. O que fazer?
O policial conhece essa realidade melhor que qualquer um de nós. Ele tem treinamento para isso. Todos eles seguem regras próprias para evitar esse tipo de ação. Eles sabem melhor do que nós como tentar evitar essa ação covarde que é praticada. Acho que devem continuar usando os mesmos métodos que eles usam.

Mas, mesmo seguindo as regras, ele pode ser morto.
A legislação poderia endurecer. Precisávamos ter leis mais efetivas, que garantissem que o bandido efetivamente cumprisse integralmente sua pena. É frustrante para os promotores, para o juiz que condena, para o policial que prende. A nossa legislação penal é muito complacente. Só falta pedir desculpa para o cara que pratica um crime. Isso é uma tarefa gigantesca, você precisa conscientizar a população, o congresso, que nós precisamos de um legislação mais eficiente, mas dura. Não sentido você praticar um crime tão grave quanto um roubo e ficar 11 meses só preso.

Os roubos se mantêm em alta. Como reduzi-los?
É um crime cometido normalmente na clandestinidade e que você não pega me flagrante. As vítimas, as testemunhas, elas estão fragilizadas por aquela situação, as vezes ela omitem um detalhe importante que poderia levar a elucidação do crime. Para cair [número de roubos], precisamos intensificar o policiamento, o patrulhamento.

Os homicídios estão queda. É possível reduzir mais?
Ainda dá. Se intensificar o patrulhamento, além de criar a sensação de segurança, você evita o homicídio, aquele cometido pela banalidade.

Como ampliar a patrulha?
Mesmo com toda essa crise, a área de segurança pública foi a que menos sofreu com o desgaste da nossa economia. Semana passada formamos 2.813 novos policiais. Vamos formar mais cerca de 2.000 policiais até o final do ano. Com isso, a PM está chegando o número mais próximo do seu efetivo realmente fixado. Isso é muito bom.

O sr. manterá a estratégia de fazer reintegração de posse sem mandado judicial ?
A Secretaria da Segurança está absolutamente convicta que a medida é legal. [Mas] não precisa usar indiscriminadamente essa medida.

E em relação às manifestações, com uso de gás, inclusive contra a imprensa ?
A ordem em relação às manifestações é muito clara. A ordem é para que elas ocorram para garantir o direito à manifestação de qualquer um, mas com o respeito à ordem e à legalidade. A polícia só reagiu em manifestações quando viu a ordem ser prejudicada, quando viu a integridade de outras pessoas, ou patrimônio de terceiros também ser ofendido. Não é um manifestante comum, e a gente sabe. É aquele vai com o intuito de criar tumulto mesmo, o mascarado. A forma de repelir esse distúrbio é com uso de munição não letal, equipamento não letal.

O sr. tem visto abusos?
Não diria abuso. Tenho observado em um caso ou outro algum emprego equivocado da força. Alguma coisa que poderia segurar um pouco mais.

Como evitar isso?
Na disciplina, reafirmar as diretrizes. Eles são preparados para atuar nesse tipo de coisa. Agora, é muito difícil você presenciar, como policial, se conter quando leva uma cusparada na cara, quando vão com rojão para cima de você.

Mas deve estar preparado.
Tem, mas você não pode exigir... O policial de São Paulo está disposto a entregar a vida por você e por mim. Ele disposto a isso. Ele jura isso. Agora, ele também... Esse juramento não pode ser banalizado por baderneiro. É uma covardia muito semelhante daquela covardia que estávamos falando do assassino lá. Você pegar um rojão sabendo que ele não vai pode reagir, e você vai atirar um rojão na direção dele.

O senhor está dizendo que não pode exigir do policial sangue frio e autocontrole?
Ele tem que ter. Não pode exigir que ele não reaja a um tipo de ação dessas, que você atira um rojão nele, que você dá uma pedrada nele. É difícil de você controlar.

Então tem que reagir?
O direito de manifestação é consagrado, não é? Mas não pode permitir que o direito de manifestação ultrapasse a vigência de todos os demais direitos da sociedade. O direito de segurança, o seu direito de integridade física (...) A instrução deve ser melhor dada para evitar que o spray de pimenta, por exemplo, use como primeiro recurso e não como último recurso.

Jorge Araujo - 27.abr.2016/Folhapress
Josefa Siqueira, 64, com foto do sobrinho Douglas, 16, uma das quatro vítimas de chacina
Josefa Siqueira, 64, com foto do sobrinho Douglas, 16, uma das quatro vítimas de chacina

O governo do Estado deve desculpas às mães dos meninos de Carapicuíba [vítimas de uma chacina e enterrados sob a falsa acusação da polícia de que eram ladrões]?
O caso estava sob investigação. Não acredito que a gente tenha errado quando aquela prova indicava naquele sentido [de que uma bolsa roubada havia sido encontrada na casa de um dos meninos assassinados].

Era uma prova equivocada...
Mas era uma prova que foi apresentada [pela polícia e divulgada pelo então secretário, Alexandre de Moraes].

Mesmo sabendo que aquela informação estava errada, o Estado não deve desculpas?
Elas já foram recebidas aqui [na secretaria]. Nós já tivemos o reconhecimento de que havia um equívoco.

A acusação foi pública, e o pedido de desculpa, interno. O que dizer a essas mães?
Elas estiveram aqui e receberam o esclarecimento de que as provas que nós tínhamos eram aquelas. As provas, infelizmente, não eram as provas que tinham a robustez que nós acreditávamos que elas tinham.

Foi um pedido de desculpas?
O Estado errou e disse a elas que errou.

Os crimes de maio de 2006 devem ser federalizados, como pede o procurador-geral da República [Rodrigo Janot]?
Não, em absoluto. o que vai modificar? Essa é a pergunta. Mas você deslocar competência desses crimes não vai trazer uma realidade.

A suspeita é que próprios membros do Estado que deveriam investigar não investigaram como deveriam [o índice de esclarecimento de mortes de civis, muitos deles cometidos por encapuzados, foi de apenas 12,9%].
Depois que arquiva um caso, só com prova nova pode reabrir. Se surgir qualquer fragmento de prova nova, vamos reabrir.

O sr. acha que aqueles casos foram bem investigados?
Não posso afirmar isso porque não conheço a investigação. Eu seria leviano.

Como o sr. vê a discussão no Congresso sobre a redução da maioridade penal ?
Sou favorável, para 16 anos. É um parâmetro. A gente não chegou à conclusão que o jovem de 16 anos tem capacidade para escolher o presidente e o governo?

Para qualquer tipo de crime?
Eu acho que sim.

Cadeia comum ou especial?
Poderia até estabelecer uma forma de execução da pena diferenciada. Sinceramente acho que, com a evolução do tempo, o jovem hoje de 16 anos ele tem a mesma compreensão física, a mesma cabeça, a mesma mentalidade de um jovem de 18 anos.

E a descriminalização do uso das drogas no país?
Eu sou contra. Ela não vai ser útil a nada na sociedade. Não vejo sentido.

Integrantes do Ministério Público, e também do Poder Judiciário, integram a gestão Alckmin. Isso interfere na independência das instituições?
Imagina. Eu nunca vi em nenhum dos que chegaram a participar do governo do Estado qualquer tipo de ação que tenha praticado visando a obtenção de cargos.

O sr. defende torcida única nos estádios em clássicos?
Defendo.

Pode ser prorrogável, além do final deste ano?
Pode. Tudo depende de ir calibrando. A gente precisa colocar ordem nisso.

E nas divisas de São Paulo com outros Estados? É possível ampliar essa fiscalização?
As rodovias federais é que são o grande problema para gente. Nelas, você tem uma condição de estabelecer um diálogo melhor com o governo federal. Por que não realizar operações na Dutra [federal que liga SP ao RJ] em conjunto entre a Polícia Rodoviária Federal com a Força Tática [da PM paulista].

Qual será o principal objetivo de sua gestão na secretaria?
Trabalho incansável para continuar a redução dos índices de criminalidade.

Números da violência em SP


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