Folha de S. Paulo


Alunas organizam boicote à festa da USP conhecida por violência sexual

Coletivos feministas universitários de São Paulo organizaram um boicote à festa da faculdade de medicina da USP "Fantasias no Bosque", que acontece neste sábado (14) –agora sob outro nome. Rebatizado nesta semana de "A Primeira", o evento é o "irmão" fantasiado da "Carecas no Bosque", tradicional balada da faculdade, que ficou conhecida por casos de violência sexual e homofobia.

Casos como o do estupro da estudante M.P., ocorrido em uma "Carecas" de 2011, ou do estudante de direito Bernardo Fico, agredido por seguranças por ser LGBT na edição de 2014, foram relatados à CPI do Trote na Assembleia Legislativa de SP que, entre 2014 e 2015, apurou abusos em instituições de ensino.

No ano passado, as festas, promovidas pela atlética da instituição, não ocorreram. Em 2016, voltaram com slogans como "#Vaiterbosquesim" e "Ela voltou...".

O local, porém, não será o mesmo. O bosque, localizado num terreno da atlética e conhecido por funcionar como espaço para casais, onde, segundo relatos como o de Fico, eram permitidos apenas casais heterossexuais, foi substituído por uma casa de eventos na zona norte de São Paulo.

Além disso, o evento alardeava novas medidas de segurança, como a presença de "anjos da guarda", voluntários para ajudar pessoas que beberam demais.

Para os coletivos, no entanto, as medidas são insuficientes. "Não acho que a mudança de lugar mude o público da festa", afirma a estudante de medicina da USP Renata Mencacci, 21. "A gente não é contra festas universitárias, mas essa é uma festa historicamente promovida para que os corpos femininos sejam consumidos, e a divulgação da festa foi feita para atrair o mesmo público masculino de antes."

A uma semana do evento, porém, outra mudança: o nome da festa foi alterado para "A Primeira". A reivindicação era uma das cobradas pela recém-nascida Frente Feminista Universitária, que reúne coletivos de todo o Estado de São Paulo e surgiu com o boicote, puxado pelo coletivo Geni, da Faculdade de Medicina da USP. "Esse nome em si era uma violência, uma afronta às vítimas."

Iniciado no dia 1º de maio, o boicote resultou em um abaixo-assinado com cerca de 3.500 assinaturas. "Acho que tivemos uma vitória parcial", afirma a estudante de medicina Andressa de Oliveira, 19. "Toda a publicidade já está feita, os convites que foram vendidos estão como 'Fantasias'..."

Segundo Mencacci, a troca do nome foi negociada no sábado (7), em uma reunião apenas com as mulheres da atlética. Ela diz ainda que a mudança de última hora –antes, membros da organização haviam dito ser impossível a troca– se deve ao fato de o número de ingressos vendidos ter ficado abaixo do esperado. "Eles fizeram como a 'Alphorria' [festa do curso de direito da PUC acusada de racismo] que trocou de nome uma semana antes e teve resultados positivos de marketing."

Apesar da mudança, a divulgação da "nova festa" continua sendo pela página do evento no Facebook nomeada "Fantasias no Bosque". Procurada, a Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz não respondeu aos questionamentos da reportagem.

CPI

Após a CPI na Assembleia de SP, apenas um aluno da medicina tornou-se réu, acusado de estuprar uma aluna de enfermagem em uma festa de 2012 -ele está suspenso há cerca de um ano, impedido de colar grau. O processo corre em segredo de Justiça, mas segundo pessoas ouvidas pela Folha, prossegue com dificuldade, pois o acusado não possui endereço fixo, o que dificulta sua notificação.

O estudante Bernardo Fico processa a atlética por danos morais por ter sido agredido por um segurança na "Carecas" de 2014, após entrar no "bosque" com o parceiro. Segundo ele, representantes da organização não compareceram a três tentativas de negociação.


Endereço da página:

Links no texto: