Folha de S. Paulo


Roda de conversa na zona sul de SP discute a cidade a partir da periferia

"Às vezes, quando falo com algumas pessoas da comunidade e pergunto aonde estão indo, elas me dizem 'vou passear na cidade'", disse o padre Jaime Crowe.

Com esse exemplo das relações de território entre periferia e cidade, o sacerdote abriu a roda de conversa que ocorreu na quinta-feira (12), no salão principal paróquia Santos Mártires, que comanda no Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo. O evento, cujo tema era "Educação, Território, Violência e Segregação Social nas Periferias", foi o terceiro debate promovido pela Folha e pela Fundação Tide Setubal.

Em um clima bastante informal, o mediador Vaguinaldo Marinheiro passou a palavra à socióloga Helena Singer, pioneira no estudo de escolas democráticas no Brasil, que falou sobre suas pesquisas nos anos 90 sobre gestões compartilhadas entre professores, alunos, pais e funcionários e buscou trazer o debate para o que deve ser discutido atualmente.

"Além da gestão administrativa, a experiência da comunidade local deveria integrar o currículo da escola", disse a pesquisadora. "Uma escola verdadeiramente democrática tem que articular os saberes locais na educação, precisa entrar no mundo da comunidade e ser um veículo de produção de conhecimento novo. Não pode só reproduzir o que é velho", afirmou.

Também presente na mesa, Anderson Severiano Gomes, diretor do CEU EMEF José Saramago, na zona norte, defendeu que é preciso começar a pensar uma lógica a partir da periferia. "A cidade ainda não é nossa. Precisamos de uma perspectiva que coloque as pessoas do meu cotidiano, os moradores aqui do Jardim Ângela como protagonistas."

O professor frisou que o importante é a inclusão. "Pode ser até por um mecanismo de mercado, mas um mercado que reconheça e integre esses novos personagens."

Guilhermo Aderaldo, doutor em antropologia social pela USP, contou que, a partir de um estudo sobre um coletivo de vídeo formados por jovens vindos de cursos populares, foi possível questionar o conceito geográfico de periferia. Ele relatou o caso de jovens de diferentes coletivos que começaram a criar redes de contato entre lugares bastante afastados na cidade.

O grupo se desenvolveu, recebeu subsídios públicos e pôde promover eventos culturais, criar uma revista e distribuir o material que produzia. "Isso criou redes que eram afastadas geograficamente, mas próximas culturalmente, como uma ocupação no centro e uma favela. O que os coletivos faziam era chamar a periferia a partir de uma ideia de experiência urbana marcada por desigualdades", afirmou.

Falando em pé, caminhando pela sala, o professor de história e militante do movimento negro Douglas Belchior questionou a própria discussão do direito à cidade. "Discutimos isso porque a cidade não é nossa."

Belchior disse que a cidade se organizou a partir de um modelo português, de uma cidade da propriedade privada, voltada para o lucro, cujo modelo de exploração do trabalho era a escravidão. "A cidade que se organiza nos anos da democracia é a partir da vontade dos donos, que se dá pelo medo da elite contra os pretos e pobres", afirmou.

PRÓXIMA CONVERSA

Uma quarta roda de conversa acontecerá no auditório da Folha, na região central (al. Barão de Limeira, 425), abordando a ocupação e urbanização do centro de São Paulo. O debate será no dia 19 (quinta), às 14h.

Participarão do debate Guilherme Wisnik, arquiteto, urbanista e colunista da Folha; Marta Arretche, diretora do Centro de Estudos da Metrópole e professora titular de ciência política da USP; e Mauricio Fiore, diretor do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas.

Para comparecer, inscreva-se aqui.

Os encontros fazem parte da preparação para o seminário internacional Cidades e Territórios: Fronteiras e Encontros na Busca pela Equidade, que ocorre em 14 de junho na Fecomercio. O evento é promovido pela Folha em parceria com a Fundação Tide Setubal. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas no site Eventos Folha..


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