Folha de S. Paulo


Especialistas veem restrição a pesquisa em portal de registros policiais de SP

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) lançou nesta segunda-feira (9) um portal na internet com dados sobre registros policiais, mas com potencial limitado para contribuir com a checagem dos balanços mensais das estatísticas criminais de SP. Chamado de "Secretaria da Segurança Pública - Transparência", o site reúne detalhes de cinco tipos de registros criminais em que há mortes.

Mensalmente o governo divulga na internet estatísticas agregadas de 16 tipos de registros criminais. O novo portal mostra parte dos dados de apenas dois: homicídio doloso (intencional) e latrocínio (roubo seguido de morte). Constam informações como horário e local do crime e dados das vítimas. Mas não há como checar o chamado "histórico" do boletim de ocorrência, onde consta o detalhamento do crime.

Zanone Fraissat-9.mai.2016/Folhapress
Alckmin e secretário Alexandre de Moraes participam de lançamento de portal de transparência
Alckmin e secretário Alexandre de Moraes participam de lançamento de portal de transparência

Sem isso é impossível saber se o crime ocorreu em um conflito entre torcidas de futebol, uma briga de bar ou durante um "pancadão" na periferia, por exemplo. Tampouco ficam claras as circunstâncias nas quais um corpo foi encontrado. O histórico também pode ajudar a esclarecer se um crime registrado como "morte suspeita" deveria ter sido apontado como homicídio.

Editoria de Arte/Folhapress
TRANSPARÊNCIA LIMITADABoletins de ocorrência divulgados por Alckmin não incluem descrição do crime

Conforme a Folha revelou em março deste ano, esse tipo de classificação, que fica de fora dos balanços mensais, explodiu na contramão da queda dos homicídios. O próprio governo afirma que "os históricos dos boletins de ocorrência são públicos". Para tentar acessá-los, porém, é preciso fazer uma solicitação por meio da Lei de Acesso à Informação, sem a garantia de que os dados serão fornecidos e após um prazo de, pelo menos, 20 dias.

O governo diz que a exclusão do "histórico" dos crimes ocorreu para preservar dados pessoais e sigilosos, como endereços e telefones.

Há, porém, outras formas de proteção às pessoas sem reduzir a transparência dos dados. Basta divulgá-los, por exemplo, com as eventuais informações comprometedoras borradas, procedimento simples e comum em outros órgãos governamentais, como Justiça e Itamaraty.

O formato de divulgação das informações também foi criticado por especialistas em transparência e pesquisadores por dificultarem a tabulação dos dados.

Para Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o lançamento deve ser elogiado, "mas a plataforma ainda parece ser uma versão beta [que está em teste]." "É pouco intuitiva, e a navegação é difícil. É mais um visualizador dos boletins do que um sistema que permite tabulação, cruzamento e georreferenciamento", disse.

Segundo Alexandre Schneider, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, "é um avanço diante do que se tinha". "Mas os dados estão disponibilizados de uma forma pouco amigável, sem mecanismos de busca e sem a possibilidade de manipulação dos dados, ao contrário do que ocorre há anos nos EUA, por exemplo."

O governo, que promete ampliar o site, lançou o portal após ser derrotado na Justiça e obrigado a fornecer à Folha registros policiais usados como base dos balanços mensais das estatísticas.

O lançamento ocorreu no mesmo dia em que venceu o prazo dado pelo Tribunal de Justiça para a entrega ao jornal dos boletins de ocorrência de homicídios de e uma lista de mortos na cidade de São Paulo. Até a conclusão desta edição, não havia informações sobre o cumprimento dessa decisão.

No dia 29 de abril, decisão da desembargadora Teresa Ramos Marques, da 10ª Câmara de Direito Público do TJ, rejeitou pedido da secretaria para suspender os efeitos de decisão liminar (provisória) concedida anteriormente à Folha.

Números da violência

MAIS INFORMAÇÕES

Em evento de lançamento do portal "SSP Transparência", o secretário Alexandre de Moraes (Segurança Pública) disse que outros tipos de crimes serão incorporados à base de dados do governo.
O titular da pasta, porém, não soube informar um prazo para a inclusão de estatísticas sobre outros crimes.

Por ora, o governo colocou à disposição dados sobre homicídio doloso (intencional), latrocínio (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte, morte decorrente de oposição à intervenção policial e "mortes suspeitas" -nas quais a polícia tem dúvidas do que ocorreu. Também foi divulgada a lista de mortos examinados pelo IML (Instituto Médico Legal).

"A principal demanda sempre foi por [dados de] mortes violentas. Iniciamos por morte violenta. A partir de agora já temos o molde para que todos os boletins de ocorrência possam estar lá." Para Moraes, o governo do Estado está "possibilitando, de uma forma inteligente, o cruzamento de dados para quem deseja pesquisar as questões da criminalidade".

Ainda segundo ele, é preciso ampliar a capacidade informática da secretaria para disponibilizar novos boletins. "Vamos colocar [on-line], à medida que o nosso setor de informática for nos avisando", disse o secretário.

Presente ao lançamento, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) enalteceu a iniciativa. "Estamos dando mais um passo importante na transparência no governo do Estado de São Paulo", disse o tucano. Questionado sobre o porquê do histórico (a descrição da ocorrência) dos registros policiais não ser divulgado no site, Alckmin disse que a medida serve para proteger a identidade de familiares de vítimas e de testemunhas.

"O histórico será fornecido, mas será preciso solicitar [via Lei de Acesso] para ter um cuidado com dados que a lei não permite a divulgação. Nós temos que, ao mesmo tempo, dar toda a transparência, colocar os dados para a sociedade e proteger o direito das pessoas."

Alexandre de Moraes, que é cotado para compor um eventual governo Temer, disse que o Estado é pioneiro na divulgação de dados criminais. "Antes do lançamento do portal, São Paulo é o Estado que tem o maior número de informações criminais atualizadas mês a mês."

O secretário afirmou ainda que a implementação do portal atende a uma determinação do governador feita em 2015 e que não tem relação com a decisão da Justiça que mandou o governo entregar os registros policiais à Folha.

LISTA DOS CRIMES

*Delitos cujos dados foram divulgados no novo portal do governo*¹

  • Homicídio doloso (intencional)
  • Latrocínio (roubo seguido de morte)
  • Lesão corporal dolosa seguida de morte
  • Morte decorrente de oposição à intervenção policial
  • 'Mortes suspeitas' (em que a polícia tem dúvida sobre o que ocorreu)

Delitos cujos dados não foram divulgados pelo governo

  • Homicídio doloso por acidente de trânsito
  • Homicídio culposo por acidente de trânsito
  • Homicídio culposo - Outros
  • Tentativa de homicídio
  • Lesão corporal dolosa
  • Lesão corporal culposa por acidente de trânsito
  • Lesão corporal culposa - Outras
  • Estupro
  • Roubo - Outros
  • Roubo de veículo
  • Roubo a banco
  • Roubo de carga
  • Furto - Outros
  • Furto de veículo


¹Governo também divulgou lista de mortos examinados pelo IML

Fonte: Secretaria da Segurança Pública de SP


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