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Debate na zona leste propõe políticas para ampliar o direito à cidade

Stefano Maccarini/Folhapress
Primeira roda de conversa, com os palestrantes (esq. - dir.) Eduardo Vasconcellos, Elaine Mineiro, o mediador Vaguinaldo Marinheiro, Neli Aparecida de Mello-Théry e Antonio Eleilson Leite
Primeira roda de conversa na EACH-USP, com os palestrantes (esq.-dir.) Eduardo Vasconcellos, Elaine Mineiro, o mediador Vaguinaldo Marinheiro, Neli Aparecida de Mello-Théry e Antonio Eleilson Leite

Da fragmentação urbana aos direitos do pedestre, da escassez de equipamentos culturais fora do centro da cidade à lei de fomento à periferia, do desenvolvimento do espírito científico nas escolas ao ensino em tempo integral.

Esses foram alguns dos tópicos abordados na tarde de sexta-feira (06) na USP Leste, em São Paulo, no evento que abriu a série de rodas de conversa promovida pela Folha e pela Fundação Tide Setubal sobre o direito ao espaço público.

O encontro teve duas rodas com temas distintos. Na primeira mesa, o foco do debate foi "Espaço Público, Liberdade de Expressão e Equidade".

Mediada pelo jornalista Vaguinaldo Marinheiro, a conversa começou com a fala de Neli Aparecida de Mello-Théry, vice-diretora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e especialista em políticas públicas, que destacou a extrema segregação e fragmentação da cidade.

"Ela (a cidade) se fecha em si mesma e acaba sendo formada por pedacinhos que não se comunicam", disse.

Uma das consequências, segundo Théry, é a perda da identidade social coletiva. "Estamos construindo cidades sem o que é necessário. Precisamos falar em transporte público em um país onde as pessoas levam duas horas para chegar ao trabalho".

O engenheiro e assessor da Associação Nacional dos Transportes Públicos Eduardo Vasconcellos retomou a ideia sobre os problemas do espaço urbano.

"O espaço é escasso e a escassez faz com se tenha que definir uma divisão do espaço. No Brasil, essa discussão não envolve a sociedade e a comunidade", afirmou.

Segundo Vasconcellos, o carro foi o foco de um modelo de desenvolvimento que ignorou o pedestre. "Esse sistema explodiu há 20 anos com o trânsito, mas nós persistimos na construção de viadutos. É um modelo que não funciona mais".

Antonio Eleilson Leite, coordenador de cultura da ONG Ação Educativa, falou sobre as dificuldades de se produzir um guia cultural voltado para eventos da periferia. "Nas agendas culturais da imprensa, a programação em geral gira em torno de 20 distritos, mas São Paulo tem 96!", afirmou.

Para ele, ainda que a periferia tenha uma estética própria, construída por movimentos culturais internos, as políticas públicas ajudam a estimular os projetos.

Elaine Mineiro, integrante do Movimento Cultural das Periferias, disse que as verbas para a cultura ficam concentradas nas regiões centrais da cidade. "A região que recebe menos cultura é a periferia. A prefeitura investe mais nas regiões onde estão as pessoas que podem pagar".

Mineiro defende que exista uma lei específica para investimento público em cultura nas regiões mais afastadas. "Hoje a periferia faz arte em um sistema de 'seviralogia'. Por isso defendemos o financiamento pela Lei de Fomento à Periferia".

EDUCAÇÃO E CULTURA

Em seguida, na segunda roda de conversa do dia, cujo tema era Educação, Território e Sustentabilidade, a discussão levantou aspectos das escolas como espaços de formadores do espírito científico e das dificuldades da implantação do ensino integral.

Maria Rita de Almeida Toledo, historiadora e professora da Unifesp, lembrou que com o nascimento da República, a escola também tem a função de construir a identidades entre os cidadãos. Com a expansão do ensino durante a ditadura militar, o que se ofereceu aos alunos foi uma escola massificada.

"O currículo dá poucas possibilidades para o aluno desenvolver o espírito científico, de aprender a perguntar. E não existe ciência sem pergunta", disse a professora.

Um aspecto que muitas vezes opõe professor e cidade no ensino público, segundo Toledo, é a questão das horas-aula. Isso porque em alguns casos o professor é obrigado dar aulas em quatro locais diferentes para completar a carga horária necessária.

"Esse professor não cria vínculos com a comunidade e precisa correr para locais em outros pontos da cidade onde também dá aula".

Sobre a questão do currículo, Alexandre Isaac, líder de projetos do Centro de Estudos em Educação, Cultura e Ação Comunitária, diz que as diferentes áreas do conhecimento têm que conversar entre si. "Matemática e ciências têm que conversar com as artes e as atividades lúdicas".

Isaac afirma que o ensino integral, quando o aluno fica dois turnos na escola, altera as noções de organização de território. "Será preciso que se pense melhor nos tempos e nos espaços dos alunos e que se mude o sistema de organização", diz.

Josafá Rehem, que é diretor da escola municipal Faveira do Mato, no bairro Jardim Planalto, diz que o estudante já passa bastante tempo na escola, mas o que é preciso pensar é como esse tempo é gasto. "Quantidade de jovens que entram na aula e não perguntam nada para gente é enorme", afirma.

Pare ele, a escola continua uma instituição muito fechada. "Temos que construir coletivamente assembleias de estudantes, ter mais espaços de juventude e os diretores têm que parar de se comportar como imperadores", diz.

PRÓXIMAS CONVERSAS

A programação continua com um debate na Paróquia Santos Mártires (rua Luis Baldinato, 9), na zona sul, no dia 12 (quinta-feira), sobre educação, violência e segregação social. Os participantes da roda, que começa às 14h, serão Helena Singer, socióloga e fundadora da escola Politeia; Guilhermo Aderaldo, doutor em antropologia social pela USP; Anderson Severiano Gomes, diretor do CEU EMEF José Saramago; e Douglas Belchior, professor de história e militante do movimento negro.

Uma quarta roda de conversa acontecerá no auditório da Folha, na região central (al. Barão de Limeira, 425), abordando a ocupação e urbanização do centro de São Paulo. O debate será no dia 19 (quinta), às 14h.

Os encontros fazem parte da preparação para o seminário internacional Cidades e Territórios: Fronteiras e Encontros na Busca pela Equidade, que ocorre em 14 de junho na Fecomercio. O evento é promovido pela Folha em parceria com a Fundação Tide Setubal. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas no site Eventos Folha.


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