Folha de S. Paulo


Livro mostra como mídia criou e desconstruiu Roger Abdelmassih

A derrocada vertiginosa do médico Roger Abdelmassih –que chegou a ser chamado de "papa da reprodução assistida" e terminou a carreira como "charlatão" e estuprador condenado a 248 anos de prisão– foi exaustivamente coberta pela imprensa.

Por isso, é surpreendente que o livro "A Clínica - A Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih", de Vicente Vilardaga (ed. Record), consiga trazer tantos fatos novos e detalhes importantes. Para narrar a trajetória de Abdelmassih desde a faculdade de medicina até as páginas da revista "Caras", o jornalista Vilardaga se amparou em muita pesquisa e mais de 60 entrevistas, com vítimas, advogados, promotores, médicos, familiares e jornalistas.

O que surge disso é a história de um médico ambicioso que, por meio de muito marketing pessoal e exposição na mídia, transformou-se em uma "sumidade" em reprodução assistida. Circulava com poderosos como Orestes Quércia, Roberto Carlos e Hebe Camargo. O auge da fama veio quando ele ajudou Pelé e sua mulher a engravidar dos gêmeos.

Sua clínica chegou a faturar R$ 2 milhões por mês, ele dizia ter "concebido" 5.000 bebês por fertilização in vitro (FIV) e desfilava de Maserati. Mas por trás do glamour e das matérias encomiásticas, escondia-se o verdadeiro Abdelmassih, que assediava sexualmente suas pacientes e manipulava material genético em sua clínica. Foi acusado de estupro por mais de 30 pacientes. Várias acabaram descobrindo, através de exames de DNA, que seus filhos não tinham genes dos pais.

MÍDIA

Paralelamente à história de Abdelmassih, há também a narrativa sobre a imprensa. E, desta vez, o final é feliz: a mídia não repetiu o assassinato de reputações dos donos da Escola Base –acusados injustamente de abusar sexualmente de crianças em 1994.

Do mesmo jeito que a imprensa incensou Abdelmassih, tratou de desconstruí-lo, mas com base em apurações sólidas. As primeiras denúncias contra o médico foram reveladas pela Folha em janeiro de 2009, pela repórter Lilian Christofoletti.

O livro conta que cada avanço na reportagem era acompanhado por uma conversa detalhada com a secretária de Redação, Suzana Singer, e uma análise jurídica do advogado do jornal.

"O caso Abdelmassih começou e terminou com dois grandes esforços de investigação jornalística, primeiro de Lilian, que teve coragem e competência para expor a história, e depois de Sant'Anna [Leandro Sant'Anna, da TV Record], que descobriu o paradeiro do médico em Assunção", narra Vilardaga.

Ele também destaca o papel da Promotoria, das vítimas e das redes sociais na resolução do caso. Outros órgãos, no entanto, omitiram-se. Ao longo de 13 anos, o Cremesp recebeu 15 denúncias contra Abdelmassih e não fez nada.

No final, o autor traça um paralelo com as acusações de estupro na Faculdade de Medicina da USP, revelados em 2014, e a cultura machista e corporativista da profissão. "Fica claro por que caras como Abdelmassih acabam escapando ilesos em um sistema que deveria espirrá-lo da profissão desde o início."

A CLÍNICA - A FARSA E OS CRIMES DE ROGER ABDELMASSIH
AUTOR Vicente Vilardaga
EDITORA Record
QUANTO R$ 44,90 (350 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom
LANÇAMENTO 18 de maio; em São Paulo, haverá lançamento em 6 de junho, às 19h, na Livraria da Vila da Fradique (r. Fradique Coutinho, 915, Pinheiros)

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CRONOLOGIA DO CASO

Abr.2006
Ex-funcionária relata à Promotoria ter sido beijada à força por Abdelmassih

Jan.2009
Folha revela que o médico era investigado pela polícia, e mais mulheres dizem ter sido vítimas

Ago.2009
Abdelmassih é preso em sua clínica de reprodução, em área nobre de São Paulo

Dez.2009
STF concede habeas corpus e manda soltá-lo por entender que o médico não oferecia risco

Nov.2010
Ele é condenado a 278 anos de prisão por 48 estupros, mas decisão do STF o mantém livre

Jan.2011
Justiça determina prisão de Abdelmassih após ele tentar renovar seu passaporte

Jul.2014
São Paulo publica lista em que o médico aparece como um dos 10 mais procurados

Ago.2014
Depois de mais de 3 anos e meio foragido, Abdelmassih é preso em Assunção, no Paraguai

Out.2014
Justiça reduz sua condenação a 181 anos; ele não poderá ser solto antes de cumprir 30 anos


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