Folha de S. Paulo


PM entra no Centro Paula Souza, retira alunos e acaba com ocupação

A Polícia Militar cumpriu na manhã desta sexta-feira (6) a reintegração de posse e retirou os alunos que ocupavam o Centro Paula Souza, na região central de São Paulo. A execução do mandado teve início por volta das 6h40.

O prédio da entidade responsável pelas Etecs (escolas técnicas do Estado) estava ocupado desde o último dia 28 por estudantes que reivindicam o fornecimento de merenda. O Centro Paula Souza afirma que todas as Etecs passaram a contar com alimentação –antes, 10% delas não tinham.

Os policiais abriram o portão do Centro Paula Souza e rapidamente passaram a arrastar os estudantes que resistiam.

O cerco da PM foi rompido pelos manifestantes e houve confusão. Ninguém foi detido durante a execução da ordem judicial.

O fotógrafo Mauro Donato, do site "Diário do Centro do Mundo", teve o supercílio cortado pelos policiais que tentavam conter jornalistas e manifestantes.

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O estudante João Pedro Constantino, 18, que estava dentro da unidade, afirmou que os estudantes preferiram permanecer dentro do local para mostrar que era possível resistir. "Quando a PM chegou lá dentro foi totalmente truculenta, saiu carregando a gente", disse.

Parte dos alunos que deixaram o Paula Souza seguiu em protesto pelas ruas do centro da capital fechando a avenida Tiradentes, onde fica a Etesp (Escola Técnica Estadual de São Paulo). A avenida já foi totalmente liberada.

Os alunos queriam entrar na escola, que está ocupada, mas foram impedidos pela PM, que utilizou cassetetes para contê-los –ao menos um estudante foi ferido.

Quando a Tropa de Choque chegou ao Centro Paula Souza, por volta das 5h, estudantes aguardavam em cadeiras escolares cantando músicas de protesto. "De repente chega a PM com a cara de mau, a bomba de gás, de efeito moral", cantavam os jovens.

O batalhão com dezenas de homens vestidos com exoesqueletos chegou com ao menos três veículos blindados, além de vários carros de polícia.

Por volta das 5h30, eles bloquearam a rua dos Andradas, onde fica o centro. "Não tem arrego, você tira a minha merenda e eu tiro o seu sossego", gritavam os estudantes. Moradores dos prédios ao redor gritavam reclamando por silêncio, ao que eram respondidos pelos jovens: "Ei, burguês, a culpa é de vocês".

LITÍGIO

O governo Geraldo Alckmin (PSDB) conseguiu reverter termos de uma decisão judicial e, dessa forma, a Polícia Militar pôde portar armas na desocupação do Centro Paula Souza, no centro de SP.

Até obter o direito de a PM portar armas letais na ação, o que foi confirmado na tarde desta quinta (5), a Secretaria da Segurança Pública travou uma batalha com a Justiça.

O conflito começou na segunda (2), quando, após ordem do secretário Alexandre de Moraes, a PM entrou no Paula Souza antes da expedição da ordem de reintegração.

O juiz Luis Manuel Pires, da central de mandados do Tribunal de Justiça, considerou a ação ilegal, e Moraes respondeu que policiais entraram no prédio para proteger os funcionários, não para cumprir a reintegração.

O acirramento cresceu na quarta (4). Em decisão, o mesmo juiz determinou que a reintegração deveria ocorrer sob duas condições: a presença do secretário no comando direto da ação e a proibição do uso de armas letais ou não letais pela PM.

Moraes decidiu não cumprir a reintegração, marcada para as 10h de quinta, e reagiu ao juiz com uma dura nota na qual rotulou as duas condições como "abusivas" e "ilegais". O principal argumento dele era o de que a necessidade ou não de porte de armas deve ser avaliada pela PM.

SEM DETIDOS

O porta-voz da PM, tenente Felipe Neves, afirmou que não houve nenhum detido e que não foi necessário o uso de armas não letais, como balas de borracha e bombas de gás.

De acordo com ele, às 6h, houve uma tentativa de leitura da ordem de reintegração de posse –os alunos teriam se recusado a ouvir. Depois, foi dada meia hora para que eles se preparassem para a reintegração de posse.

Para entrar no local, os PMs tiveram de romper um cadeado e retirar obstáculos deixados pelos alunos.

"Alguns saíram de forma tranquila, outros resistiram, e foi necessário o emprego da força. Mas não houve uso de munição química ou bastão", disse o policial.

SEGUNDA INSTÂNCIA

O governo do Estado recorreu e conseguiu reverter em segunda instância a decisão.

O desembargador Rubens Rihl, da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, deu razão ao governo e afirmou que o juiz de primeira instância "extrapolou, em muito", o que havia sido estabelecido em decisão que concedia a reintegração.

"A decisão administrativa [do juiz] resvala em ingerência em outro poder do Estado, o que deve ser evitado", escreveu o desembargador.

Rihl também afirmou que caberia ao comandante da operação "analisar a conveniência ou não do uso da força e dos recursos necessários, na proporção adequada para o cumprimento da liminar".

Para Luciano de Souza Godoy, professor da FGV-SP e ex-procurador do Estado, as exigências que acabaram suspensas configuram interferência do Judiciário nas atribuições do Executivo.

"É a polícia que tem a atribuição constitucional, a competência de dosar o tamanho da força que vai ser usada no cumprimento da ordem judicial. O secretário está certo."

Já André Ramos Tavares, professor de direito constitucional na PUC-SP e de direito econômico na USP, não viu falhas na decisão do juiz da central de mandados. "Espera-se que a polícia tenha capacidade de saber quando usar armas ou não. Mas hoje temos um receio disso."

Moraes é cotado para assumir a AGU (Advocacia-Geral da União) em um eventual governo Michel Temer (PMDB).


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