Enquanto discussões sobre terapias não comprovadas como a "pílula do câncer" avançam no país, iniciativas para ampliar o acesso a tratamentos reconhecidos têm sofrido entraves.
Quatro anos após o lançamento de plano para a expansão da radioterapia no SUS, nenhum dos 80 novos aparelhos previstos para ofertar o serviço a pacientes com câncer está funcionando. Eles nem sequer foram instalados.
Anunciada em 2012, a iniciativa, considerada um marco no setor, previa entre as ações a instalação de aceleradores lineares –aparelhos usados na radioterapia– em 80 hospitais de 23 Estados.
Além de capitais e cidades com maior demanda, entraram na lista à época 41 municípios onde não havia oferta desse tratamento no SUS.
Inicialmente, a previsão era que as primeiras máquinas começassem a operar em 2014, quando a Folha noticiou o atraso pela primeira vez. À época, a resposta foi de que o serviço estaria finalizado até este ano. Até agora, não há serviços habilitados.
Documentos do Ministério da Saúde indicam que houve atraso na elaboração de projetos para reforma dos hospitais, que precisam construir uma espécie de "bunker" para acolher os equipamentos.
Dos 80 hospitais, só dez já tiveram obras iniciadas. Outros 63 estão em fase de licitação, licença ambiental ou ainda em readequação dos projetos.
Para complicar, sete hospitais saíram do plano –dois por problemas técnicos e cinco por conta própria, devido às dificuldades em pagar os custos adicionais do projeto, como contratação de profissionais especializados.
"Se continuássemos, teríamos de fechar o hospital", diz Darci da Costa Filho, administrador do Hospital de Caridade São Braz, em Santa Catarina, que solicitou a saída.
O Ministério da Saúde diz que os hospitais que saíram devem ser substituídos, mas não divulgou os novos locais.
Nos demais hospitais, dados indicam que a previsão é que as obras sejam finalizadas até o fim de 2018.
LONGE DO IDEAL
Com o projeto, a expectativa é que o total de serviços de radioterapia no SUS seja ampliado em até 28%. Hoje, há 286 máquinas para o tratamento disponíveis na rede.
O número, porém, ainda está longe do ideal, diz Eduardo Weltman, da Sociedade Brasileira de Radioterapia. Ele estima, a partir de critérios da Organização Mundial de Saúde, deficit de 300 máquinas para as redes pública e privada do país.
"Muitos pacientes têm indicação de radioterapia, mas como não tem vaga, começam a quimioterapia, tratamento que não é o melhor [para o caso]", afirma.
Hoje, a estimativa é que 60% dos pacientes com câncer no país precisem da radioterapia. Neste ano, são esperados 597 mil novos casos, segundo dados do Inca (Instituto Nacional do Câncer).
Sem amplo acesso aos serviços, pacientes esperam na fila por tratamento. A situação é mais difícil quando há necessidade de tipos específicos de radioterapia.
Diagnosticada com um linfoma raro, a professora Elaine de Moura Cabral, 51, que mora em Brasília, só conseguiu acesso ao tratamento que precisa em Campinas (SP), em 2014, após dez meses de espera. "Agora, tive uma recidiva e devo entrar na fila de novo", relata.
Para Luciana Holtz, presidente da Oncoguia, associação que representa pacientes, apesar da expansão da rede ser uma conquista para o setor, é preciso investir em medidas para melhorar o cenário também a curto prazo.
"A nossa angústia é o paciente hoje, que precisa da radioterapia e enfrenta esperas gigantescas", afirma.
No Hospital Dom Pedro de Alcântara, de Feira de Santana (BA), um dos poucos com as obras adiantadas, hoje o aparelho disponível atende a cem pessoas por dia. O tratamento dura cerca de 40 dias.
A diretora da unidade de oncologia, Lídia Matos, espera resolver a fila com a chegada do novo aparelho.
OUTRO LADO
O Ministério da Saúde diz que os projetos para instalação dos aparelhos de radioterapia devem ser concluídos até 2018.
Segundo a pasta, a expectativa é que dois serviços, dos 15 em fase avançada, comecem a operar em 2016 (Santa Casa de Misericórdia de Feira de Santana, na Bahia, e Fundação de Assistência Hospitalar da Paraíba).
Outros projetos estão em reanálise técnica, de acordo com o ministério. "São projetos arquitetônicos complexos, que envolvem energia nuclear e precisam de licença ambiental, além da alta tecnologia empregada, e por isso precisaram, em um primeiro momento, de revisões e construção de projetos adequados para a realidade de cada unidade", diz a pasta.
O ministério destaca que o plano não prevê somente entrega de aparelhos e o custeio dos novos serviços, mas também medidas de expansão tecnológica.
Os aceleradores lineares foram comprados da empresa Varian, que também se comprometeu a instalar a primeira fábrica desses equipamentos no país, em Jundiaí (SP).
Segundo a empresa, a previsão é que a fábrica esteja pronta até metade de 2017 e esteja operando em 2018.
A pasta diz ainda que o investimento em assistência em oncologia no SUS cresceu 84% desde 2010. Neste período, que envolve anos anteriores ao projeto, outros 80 novos aceleradores lineares passaram a operar na rede pública, segundo o governo. Em 2015, 134 mil pessoas tiveram atendimentos em radioterapia pelo SUS.
"A expansão dos recursos resultou no maior acesso ao diagnóstico precoce e tratamento, bem como a inclusão de medicamentos mais modernos e eficazes", afirma.