Folha de S. Paulo


Minhocão tem novo acirramento em disputa sobre o futuro do elevado

Quando o assunto é o futuro do Minhocão, eles só concordam com uma coisa: não concordam em nada. Um lado quer ver o elevado desmontado. Outro deseja um parque em cima do viaduto que faz a ligação entre o centro e a zona oeste de SP.

Há dois anos, o Movimento Desmonte e a Associação Parque Minhocão disputam batalhas sobre o local —cada um tem suas vitórias. A guerra começou em 2014 com a aprovação do novo Plano Diretor, que coloca um prazo de 15 anos para desativação total do elevado Costa e Silva.

Inaugurada em 1971 por Paulo Maluf, a obra foi considerada obsoleta já na época da construção. Depois, ela desvalorizou imóveis e degradou a região por onde passa.

Neste semestre, vem nova briga por aí: a gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) estuda antecipar o fechamento da via para as 20h, todos os dias, acompanhando o horário do rodízio de veículos. Hoje, há interdição das 21h30 às 6h30. Nos fins de semana, fecha às 15h de sábado e só reabre na segunda de manhã.

Na Câmara, projeto do vereador Police Neto (PSD) também propõe a alteração —deve ser votado ainda neste semestre. A associação do parque é a favor da mudança. A do desmonte, contra. Haddad diz que a última palavra será da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).

O uso do elevado de 3,4 km de extensão como forma de lazer se intensificou nos últimos anos e criou uma dúvida: ele pode ser um parque? O engenheiro de produção Athos Comolatti, 62, acredita que sim. Em 2013, ele criou uma associação para propagar a ideia. O grupo tem 20 membros, entre moradores, artistas e urbanistas. Conta com 7.000 assinaturas.

"Nosso lema é que o parque Minhocão já existe. Só faltam as árvores", brinca, mas, de fato, ele acredita na frase. No mês passado, Haddad sancionou uma lei que muda o nome do elevado para Parque Minhocão quando ele está fechado aos carros.

A mudança permite que o viaduto tenha um conselho gestor, como qualquer parque. Alterações podem ser feitas para melhorar a acomodação dos frequentadores, como bebedouros, muretas maiores e bancos. Foi uma vitória do "grupo do parque".

ESVAZIAR

Criado em 2014, o Movimento Desmonte Minhocão —formado por moradores dos prédios do entorno— é contra qualquer possibilidade do elevado ficar aberto. "Por mim fecharia hoje. Quem vive nos prédios do lado está numa panela com barulho e muita poluição", diz Francisco Gomes, 56, diretor do grupo.

O movimento canta suas vitórias: em 2015, conseguiu um laudo dos Bombeiros que proíbe qualquer evento no elevado. Virada Cultural, blocos de Carnaval e food trucks foram cancelados com a justificativa de que não havia segurança. "Cortamos tudo", diz Gomes, fazendo um movimento de tesoura com os dedos.

O grupo dele tenta esvaziar o elevado para que a população não tenha a sensação de que a estrutura é um parque. Por isso, é contra inclusive a possível antecipação do fechamento para as 20h, o que teoricamente seria benéfico aos moradores do entorno.

"Essa ideia não visa a saúde dos moradores. É uma tentativa de convencer as pessoas de que essa coisa horrenda pode ser um parque." O grupo conseguiu cancelar uma audiência pública que discutiria a mudança, programada para o próprio elevado.

O movimento fez um orçamento em uma empresa para calcular quanto custaria o desmonte."R$ 28 milhões, muito menos que essa idiotice de parque", diz Gomes.

A associação de Athos se inspirou no High Line de Nova York, um parque elevado numa linha de trem desativada. Lá, a adequação custou mais de US$ 100 milhões. "Só foi inspiração, mas eles são muito diferentes. Não é nossa proposta construir um projeto. O parque Minhocão já existe", diz Athos.

IOGA, DANÇA E GOLFE

Onze pessoas colocam tapetinhos coloridos no asfalto e se preparam para começar a aula de ioga. Ioga no Minhocão? Um professor de golfe monta uma rede —as bolinhas ficam numa grama sintética. Golfe no Minhocão?

A professora Marina Mártims, 39, pede que todos relaxem, mesmo com o som de buzinas dos carros que passam embaixo, na avenida São João. "Nós nos acostumamos com o barulho. Só tento falar um pouco mais alto do que numa sala fechada", diz.

Parque ou não, o Minhocão recebe milhares de pessoas todos os dias, à noite, ou aos finais de semana. Lotado, existe até "briga" por espaço entre os frequentadores.

"Um dia, eu estava olhando o elevado da minha janela e pensei: ioga no Minhocão?", conta Marina. Está dando certo: toda quarta à noite, ela reúne um grupo para praticar (R$ 20 a aula).

No sentido oposto do elevado, garotos usam cones da CET como traves para disputar partidas de futebol. Às vezes, a bola escapa e atinge o pessoal do ioga, ou os ciclistas, ou os corredores, ou a turma que treina atletismo com a professora de educação física Bruna Leonel, 28.

"Queria dar aula em um lugar aberto e que fosse à noite. Pensei no Minhocão", conta. Tem 15 alunos e cobra R$ 20 por aula, também às quartas. Agora pensa em expandir para outros dias da semana, a fim de mais alunos.

Às terças e quintas, o personal trainer Saymon Lopes dá aulas gratuitas de dança para grupos que chegam a 30 pessoas. Axé, eletrônica e funk da cantora Anitta e do MC Bin Laden. Tá tranquilo...

Aos domingos pela manhã o professor de golfe Eduardo Murgel, 57, leva um kit de tacos profissionais e uma rede para ensinar de graça quem quiser aprender um pouco do esporte —neste ano, o golfe voltará a ser disputado na Olimpíada, no Rio.

A ideia de levar a modalidade ao Minhocão foi de um amigo, também praticante e morador da região. Um dos jogadores mais premiados no país, Murgel apostou nas aulas, que são gratuitas. "O golfe ainda é visto como esporte de elite. Meu objetivo é divulgar e fazer com que alguém se interesse", afirma.

Ele diz que, numa aula normal, o aluno demora uns três meses para começar a treinar com a bolinha. No Minhocão, não demora nada.


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